A MORDER OS CALCANHARES DO PODER

terça-feira, junho 28, 2005

"O respeitável Franck Carlucci"

"O proprietário do Grupo Carlyle, Frank Carlucci, tornou-se «o homem que é necessário conhecer» em Washington. Senta se, com efeito, no conselho de administração de numerosas sociedades e influi notavelmente sobre a política externa e de defesa dos Estados Unidos. De Kinshasa à Tanzânia, passando pelo Brasil e Portugal, foi implicado em vários golpes de Estado. É, ainda hoje, o alter ego de Donald Rumsfeld com quem compartilhou o seu quarto de estudante e conduziu toda a sua carreira na CIA, no Conselho Nacional de Segurança, no Pentágono e nos negócios.
Franck Carlucci



Frank C. Carlucci nasceu em Scranton, Pennsylvania, em 1930, de um talhador de pedra imigrado do sul de Itália, antes de empreender estudos na universidade de Princeton, onde encontrou o jovem Donald Rumsfeld. Os dois estudantes compartilharam um quarto do internato, praticaram a luta juntos e permaneceram, no fim da sua escolaridade, amigos muito próximos.

Frank Carlucci alistou-se seguidamente por dois anos na US Navy, frequentou alguns cursos na Harvard Business School e juntou-se ao Departamento de Estado em 1956. Após dois anos como vice-cônsul e conselheiro económico, em Joanesburgo (África do Sul), e um estágio de seis meses para aprender francês, foi nomeado segundo secretário da embaixada dos Estados Unidos em Léopoldville (Congo­‑Kinshasa), em 1960.

O HOMEM DOS GOLPES TORCIDOS

O país, que será denominado seguidamente Zaire, depois República Democrática do Congo, estava prestes a aceder à independência. Em 27 de Janeiro de 1960, as mesas redondas de Bruxelas fixaram os termos da independência, prevista para 30 de Junho. Carlucci chegou ao terreno em Março. Em Maio, as eleições, sob controlo belga, levaram ao poder o presidente Joseph Kazavubu e o primeiro­‑ministro nacionalista Patrice Lumumba. Diziam-no próximo da União Soviética, e os Estados Unidos inquietaram-se. Além disso, o país foi agitado por violências inter­‑étnicas exacerbadas pela antiga potência colonial belga. A própria filha de Carlucci foi um dia ameaçada com uma baioneta, e ele mesmo apunhalado e detido depois de ter esmagado um ciclista de automóvel. Decidiu no entanto permanecer no país.

Os Estados Unidos tinham com efeito ainda muito a fazer no terreno, e necessitavam largamente de Carlucci. Longe de preencher uma missão diplomática, este era com efeito o homem da CIA em Kinshasa [1]. Após somente dois meses de poder, Patrice Lumumba foi derrubado pelo general Mobutu Sese Seko, o seu sucessor designado por Washington. Mas a ameaça de um contra­‑golpe de Estado levou os Estados Unidos a assegurar-se definitivamente de que Lumumba não pudesse nunca retornar ao poder. Foi Frank Carlucci que foi encarregado de ganhar a confiança do líder nacionalista, enquanto que Washington ordenou a Mobutu que o eliminasse. Patrice Lumumba foi assim detido em Dezembro de 1960 pelos homens do ditador que o fizeram torturar e assassinar, em 17 de Janeiro de 1961, pelos rebeldes katangueses de Moïse Tschombé. Saber­‑se­‑á posteriormente que a ordem veio directamente de Dwight Eisenhower [2] e que o rei Balduino da Bélgica tinha deixado fazer [3].

É difícil determinar com certeza o papel de Frank Carlucci nestes acontecimentos. Mas o assunto continua a ser hoje em dia escaldante. Raoul Peck, realizador de origem haitiana, soube-o por experiência própria. No seu filme Lumumba, uma ficção histórica consagrada ao líder congolês, incluiu um episódio que pôs em cena uma discussão entre diferentes protagonistas que preparavam o seu assassinato. Um deles não é outro que Frank Carlucci, o qual, interrogado sobre a posição de Washington, respondeu: «O governo do meu país não tem o hábito de interferir nos assuntos democráticos de uma nação soberana. Nós respeitaremos a vossa decisão». Aquando da saída do filme nos Estados Unidos, Frank Carlucci pôs tudo em andamento para impedir a divulgação desta cena pela cadeia de cabo HBO, ameaçando nomeadamente Raoul Peck e a sua sociedade de produção, Zeitgeist Film, de acções judiciais. Frente à potência financeira do seu contraditor, o realizador haitiano aceitou então pôr um som beep sobre o seu nome no filme [4].

Não se trata aí do único golpe de veludo atribuído a Carlucci nestes tempos de Guerra fria. Em 1964, foi nomeado primeiro secretário da embaixada de Dar es­‑Salam (Tanganyika e Zanzibar, que se tornou Tanzânia). O país acabava de aceder, ele também, à independência e o presidente Julius Nyerere conduzia­‑o sobre a via do socialismo. Dezoito meses mais tarde, oficiais amotinaram­‑se. Frank Carlucci, acusado de organizar o derrube de Nyerere, foi declarado persona non grata e expulso [5]. É impossível saber hoje de que era acusado precisamente. Tanto mais que, aquando da audição de confirmação pelo Senado de Carlucci para a subdirecção da CIA, as discussões prosseguiram à porta­‑fechada logo que as perguntas abordaram a Tanzânia [6].

Em Abril de 1964, o agregado militar estado-unidense no Brasil, Vernon Walters, organizou o derrube do presidente João Marcos Goulart pelo marechal Castelo Branco. Frank Carlucci foi enviado em reforço para supervisionar o estabelecimento da ditadura militar e o assassinato dos líderes da oposição por esquadrões da morte. Não fez mais mistério, nesse momento, de representar a CIA.

De 1969 a 1974, Carlucci foi afectado a Washington em diversas administrações. Primeiro no Gabinete das Oportunidades Económicas (OEO) da Casa Branca. A pedido do presidente Nixon, o seu amigo Donald Rumsfeld acabava de tomar a direcção demitindo­‑se da Câmara dos Representantes [7], ele tornou-se o assistente. Seguidamente, Carlucci foi nomeado subdirector do Gabinete do Pessoal e do Orçamento (OMB) quando Rumsfeld foi encarregado do Programa de Estabilização Económica [8]. Trabalhou então sob a autoridade de Caspar Weinberger, que seguiu, em 1973, para o departamento da Saúde, da Educação e do Bem-estar, mas conservou ligações com Donald Rumsfeld que deixou Washington para se tornar embaixador na NATO.

Em 1974, Henry Kissinger inquietou-se com a evolução de Portugal. Jovens oficiais acabavam de libertar o país da ditadura de Salazar durante a “revolução dos cravos”. O poder deslizava lentamente para a extrema esquerda do governo militar. Ora, Portugal, com nomeadamente os Açores, era indispensável à NATO. O general Vernon Walters, que se tinha tornado subdirector da CIA, pôs em evidência a incapacidade do embaixador dos Estados Unidos em Lisboa de opor-se ao perigo. Com Donald Rumsfeld, que se tinha tornado director de gabinete do presidente Gerald Ford, convenceu Kissinger a escolher Frank Carlucci para retomar a situação em mão e fê­‑lo nomear novo embaixador em Lisboa. Chamou a si imediatamente os seus antigos colaboradores da CIA no Brasil e fez mesmo vir 80 agentes dos serviços brasileiros. A operação foi frustrada in extremis pelo governo português. Na rádio nacional, Otelo Saraiva de Carvalho, líder histórico da revolução, instou o embaixador dos EUA a deixar o país o mais rapidamente possível [9].

A CONSAGRAÇÃO

A sua carreira de homem da sombra foi finalmente coroada, em 1978, quando foi nomeado subdirector da CIA pelo presidente Jimmy Carter e colocado sob a autoridade do almirante Stanfield Turner. A sua missão era sanear as práticas da Agência. A esse respeito, Carlucci pôs em acção importantes cortes orçamentais para grande danação dos senadores republicanos. Mas aplicou­‑se mais em mascarar as torpezas da Agência do que a pôr­‑lhes termo: instaurou uma legislação limitativa em matéria de desclassificação de documentos públicos e fez votar uma lei exclusivamente destinada a sancionar o ex­‑agente Philip Agee que revelou os golpes torcidos na sua revista Covert Action Quaterly. As intervenções secretas continuaram pois, com um segredo melhor protegido na duração. Assim, teria supervisionado pessoalmente as tentativas de manipulação das Brigadas Vermelhas na Itália e a eliminação do líder democrata-cristão Aldo Moro favorável a uma participação dos comunistas no governo [10]. Transviou-se numa operação de sabotagem no sul do Iémen, finalmente proibida pelo almirante Turner [11].

Em 1981, o presidente Ronald Reagan nomeou Caspar Weinberger secretário da Defesa. Chamou Frank Carlucci para o seu lado, apesar da oposição de certos republicanos que o acusaram de ter servido na administração democrata de Carter. Em conjunto, aplicaram­‑se a desenvolver os orçamentos do Pentágono e a racionalizar as compras. Carlucci tomou ao seu lado um brilhante assistente militar, Colin L. Powell.

Em 1982, Carlucci abandonou as suas actividades políticas pelo mundo dos negócios, e juntou-se a uma sociedade de comércio internacional, a Sears World Trade (SWT), uma sucursal do líder da grande distribuição, Sears-Roebuck. Estranhamente, a sociedade de importação­‑exportação pôs-se então a contratar personalidades republicanas como Curtis Hessler, antigo subsecretário do Tesouro, ou Alan Woods, antigo subsecretário da Defesa, enquanto Donald Rumsfeld (que acabava de se juntar à indústria farmacêutica depois de ter precedido Weinberger no Pentágono) entrava para o conselho de administração. Com efeito, a SWT dispunha ela própria de uma sucursal, o Internacional Planning and Analysis Center (IPAC), que se consagrava ao negócio de armamento [12]. Na sombra, a SWT desempenhava um papel de conselho junto das autoridades estado-unidenses e canadianas para a compra e venda de mísseis anti­‑aéreos, de radares, de jactos e outros equipamentos militares, apoiando-se num think tank, o Hudson Institute. A revista Fortune assegura que a SWT se tornou num pára­‑vento da CIA [13]. A SWT não estava longe quando o seu administrador, Donald Rumsfeld, enviado especial do presidente Reagan, se deslocou a Bagdade para vender armas químicas a Saddam Hussein para combater o Irão dos mullahs.

Num tempo recorde, Frank Carlucci utilizou as suas relações políticas para adquirir uma surpreendente fortuna privada [14], enquanto a Sears perdeu 60 milhões de dólares. Recebia um salário anual de 200.000 dólares, ao qual se acrescentavam diversas comissões, e 735.000 dólares de prémio de partida. Um esquema que prefigurou o que seria o Grupo Carlyle.

Em 1987, em pleno escândalo do Irangate, o presidente Reagan agradeceu ao seu conselheiro nacional de segurança, o almirante John Pointdexter, totalmente queimado pelo negócio [15], e escolheu Frank Carlucci para substituí-lo. Contratou os seus amigos para o Conselho Nacional de Segurança, nomeadamente o general Colin L. Powell, Robert B. Oakley (especialista do terrorismo e antigo camarada de estudos em Princetown), ou ainda o coronel Grant Green (que trabalhou com ele tanto no Pentágono como na SWT). Alguns meses mais tarde, com o Irangate prolongando­‑se, Reagan sacrificou o seu secretário da Defesa, Caspar Weinberger, e escolheu Carlucci para lhe suceder, enquanto Powell se tornou conselheiro nacional de segurança. Reagan acabava de lançar a “guerra das estrelas”. No Pentágono, Carlucci aumentou os créditos de investigação e opôs-se aos tratados de desarmamento com a União Soviética.

JUNTAR O ÚTIL AO AGRADÁVEL

Foi na sequência deste mandato que Frank Carlucci foi recrutado pelo Grupo Carlyle do qual se tornou o director [16]. O leitor consultará a nossa investigação,
O Grupo Carlyle, um negócio de iniciados, para este período. A sociedade de gestão de carteiras envolve um aranzel de personalidades políticas do mundo inteiro, e realiza lucros que confundem. Gere 13 mil milhões de dólares e investiu no domínio dos meios de comunicação social e do armamento até se tornar o 11º fornecedor do Pentágono. Quando o amigo Rumsfeld voltou ao Pentágono, desta vez como secretário da Defesa de George W. Bush, não deixou de desbloquear o projecto Crusader. Este blindado, destinado a substituir o Paladino, tinha sido abandonado pelos militares, que o consideravam inadaptado para os combates do futuro. Foi no entanto em nome da modernização da artilharia que este dispendioso programa, inteiramente nas mãos do Grupo Carlyle, foi reactivado [17].

Frank Carlucci tornou­‑se incontornável. É o homem que é necessário conhecer em Washington [18]. É verdade se discute a sua presença nos conselhos de administração: na Rand Corporation, na Neurogen Corporation, na Kaman Corporation, na Texas Biotechnology Corporation, na United Defense Industries Inc, no United States Military Cancer Institute ou ainda na Academy of Diplomacy.

Entre outras actividades, Frank Carlucci, que já se introduziu na Coreia do Sul graças ao reverendo Moon, teve tempo de presidir à Câmara de Comércio taiwano­‑estado­‑unidense, negociando ao mesmo tempo um contrato de telefonia móvel de 400 milhões de dólares com o presidente da China continental, Jiang Zeming. Movimenta­‑se para acalmar os neoconservadores, sempre prontos a guerrear contra a Coreia do Norte. Mas agita as paixões entre as duas Chinas, exactamente o que é necessário para relançar a corrida aos armamentos. Assim organizou um encontro na cimeira entre Paul Wolfowitz e o seu homólogo taiwanês, Tang Yao-Ming, e um seminário de três dias para vendedores e compradores [19].

Decididamente, que delícia juntar a política e os negócios."

_________
[1] Cf. Louis Wolf e William Vornberger, “Frank Carlucci: Diplomat, Businessman, Spy”, Covert Action Quaterly n° 27, Primavera 1987.
[2] Cf. O testemunho de Robert H. Johnson ante a Comissão senatorial presidida por Frank Church. E Alex Duval Smith,
Eisenhower ordered Congo Killing, The Independant, 14 de Agosto de 2000.
[3] Ver no nosso site as
Conclusions de la Commission d'enquête Parlementaire visant à déterminer les circonstances exactes de l'assassinat de Patrice Lumumba et l'implication éventuelle des responsables politiques belges dans celui-ci estabelecidas pela Câmara dos Representantes da Bélgica em Novembro de 2001.
[4] Lucy Komisar,
Carlucci Can’t Hide His Role in “Lumumba”, Pacific News Service, 14 de Fevereiro de 2002.
[5] Para o detalhe da operação contra Zanzibar, qualificada de “Cuba africana”, consultar: Don Petterson, Revolution in Zanzibar, An American’s Cold War Tale, Westview Press, 2002.
[6] Confirmation hearing of Frank Carlucci III to be Deputy Director of Central intelligence Agency, Senate Select Committee on Intelligence, 27 de Janeiro de 1978.
[7] Donald Rumsfeld foi deputado do Illinois de 1962 a 1969.
[8] Fred Malek, que se juntará ulteriormente ao Grupo Carlyle, sucedê­‑lo­‑á nesta função.
[9] Cf. Frédéric Laurent, L’Orchestre noir, Stock, 1978.
[10] Por iniciativa de Aldo Moro, seis partidos políticos, dos quais os comunistas, tinham formado um “arco constitucional” e tinham assinado um programa comum de governo.
[11] Bob Woodward, “Carlucci Launched CIA Operation in Yemen That Collapsed”, Washington Post de 4 de Dezembro de 1986.
[12] Stuart Auerback, “Sears Tries New Role as Wheelers-Dealers in World Trade”, Washington Post de 9 de Abril de 1984.
[13] Citado por Tim Shorrock, “Company Man”, The Nation de 14 de Março de 2002.
[14] Cf. Rick Atkinson e Fred Hiatt, “Contracting Conducted Over Golden Safety Net”, Washington Post de 31 de Março de 1985.
[15] O almirante Pointdexter foi condenado a seis anos de prisão.
[16] Dan Briody, The Iron Triangle – Inside the Secret World of the Carlyle Group, Wiley, 2003.
[17] Julian Borger, “Bush Billions Will Revive Cold War Army”, The Guardian de 6 de Fevereiro de 2002.
[18] “Who’s the man to see in Washington?”, Chicago Sun-Times de 5 de Maio de 2003.
[19] Ver a investigação de Tim Shorrock no Asia Times de 19 e 20 de Março de 2002: “EUA-Taiwan: The guiding hand of Frank Carlucci” e “Carlyle’s tentacles embrace Asia”.



MEYSSAN, Thierry, "O respeitável Franck Carlucci", Réseau Voltaire, 11 de Fevereiro de 2004.

in. www.infoalternativa.pt.vu

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Que tipo porreiro este...

cumps

6:01 da tarde

 
Anonymous Anónimo said...

E sobre a sua atuação no Chile de Allende Pinochet ?? Não se diz nada??

5:40 da tarde

 

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