A MORDER OS CALCANHARES DO PODER

sábado, julho 30, 2005

PROVÉRBIOS

"Nova Iorque, Madrid, Londres: o terrorismo ataca novamente.


Este foi o principal título de muitos diários mundiais, na edição que informou acerca das explosões que sacudiram a capital inglesa. Reveladora coincidência: não mencionaram o Afeganistão nem o Iraque. Os bombardeamentos contra o Afeganistão e o Iraque, não foram, não continuam a ser, atentados terroristas, que no caso deste último se repetem dia após dia? Não é sempre ou quase sempre, a classe trabalhadora quem fornece os mortos nos atentados e nas guerras? Não merecem o mesmo respeito e a mesma compaixão as vítimas de qualquer expressão de desprezo pela vida humana? Sem darem por isso, não menos de três mil camponeses foram despedaçados pelas bombas que procuraram e não encontraram Bin Laden em terras afegãs. E não menos de 25 mil civis, muitos deles mulheres e crianças, foram despedaçados pelas bombas que procuraram e não encontraram as armas de destruição massiva no Iraque, e pelo banho de sangue que a ocupação estrangeira do país continua a provocar. Se o Iraque tivesse invadido os Estados Unidos, anormalidade que não passa pela cabeça de ninguém, as vítimas civis seriam, em proporção, trezentos mil norte-americanos. Por séculos e séculos, ressoariam pelo mundo os trovões de semelhante horror. Como os mortos são iraquianos, rapidamente se convertem em costume.


Em 1776, a Declaração de Independência dos Estados Unidos, afirmou que todos os homens são criados iguais, mas pouquinhos anos depois, aclarou o conceito: estabeleceu que nos censos da população, cada negro equivalia a três quintas partes de uma pessoa. A quantas partes ou pedacinhos de uma pessoa equivale, hoje em dia, um iraquiano?

“Uns são mais iguais do que outros”, dizem que dizem.


E dizem: “Outros virão, que bom te farão”. O terror de Estado, pai fecundo de todos os terrorismos, encontra álibis perfeitos nos terrorismos que gera. Derrama lágrimas de crocodilo cada vez que a merda vai de encontro ao ventilador, e simula inocência ante as consequências dos seus próprios actos. Mas não têm de que se queixar os donos do mundo: as atrocidades que os fanáticos e os loucos cometem, brindam-nos com justificação e oferecem-lhes impunidade.

“A mentira tem pernas curtas”. Está à vista: a mentira tem pernas compridíssimas. Tão compridas, que correm a muito maior velocidade do que os desmentidos dos mentirosos.


Após gritarem ‘aos quatro ventos ’ que o Iraque era um perigo para a Humanidade, Bush e Blair admitiram publicamente que o país que haviam invadido e aniquilado não possuía armas de destruição massiva. Nas eleições seguintes, nos Estados unidos e na Grã-Bretanha , o povo recompensou-os reelegendo-os.


”O crime não compensa”: já nem os provérbios sabem o que dizem. O mundo gasta nada mais nada menos que 2.200 milhões de dólares por dia, sim por dia, na indústria militar, indústria da morte, e dia após dia a cifra aumenta e aumenta. As guerras necessitam de armas, as armas necessitam de guerras e as guerras e as armas necessitam de inimigos.

Não há negócio mais lucrativo do que o assassinato praticado à escala industrial . A sua indústria derivada, a indústria do medo, consagrada ao fabrico de inimigos é, hoje em dia, a principal fonte de lucros das empresas dedicadas ao entretenimento e à comunicação. Em Hollywood, já não há filme que não expluda, e os seus guionistas acrescentam sustos ao susto: como se fosse pouco o pânico terrestre, acrescentam-lhe as ameaças de terror importado de outros planetas.- - -A indústria militar necessita de produzir medo para justificar a sua existência. Perverso circuito: o mundo converte-se num matadouro que se converte num manicómio que se converte num matadouro que…
O Iraque, país bombardeado, humilhado, é a escola do crime mais activa nos nossos dias. Os seus invasores, que dizer ser libertadores, montaram ali o mais fértil viveiro de terroristas, que se alimentam da desesperança e do desespero.



“Deus ajuda aquele que madruga”. Madrugam os chefes guerreiros? Madrugam os banqueiros de sucesso? Na realidade, o provérbio exorta os humildes trabalhadores a levantarem-se cedo, e provém dos tempos em que trabalhar rendia.
Mas no mundo actual, o trabalho vale menos do que o lixo.

Dos dois motores do sistema universal de poder, este sistema que se chamava capitalismo na minha infância, já só funciona um. O estímulo da cobiça desapareceu pelo menos para a mão-de-obra. Já ninguém tem a mais remota esperança de enriquecer a trabalhar. Agora, os motores são o medo e o medo: medo de perder o emprego, medo de não encontrar emprego, medo da fome, medo do desamparo.

Os sindicatos, defendiam os trabalhadores em tempos que agora parecem pré-históricos. As empresas multinacionais mais famosas – Walmart e McDonald’s – negam sem a menor dissimulação o direito de associação aos trabalhadores e põem na rua quem cometa a ousadia de o tentar. Aos organismos internacionais que velam pelos direitos humanos, esta escandalosa violação não lhes mexe um cabelo; e o exemplo propaga-se. A negação dos sindicatos, ou a sua proibição pura e simples, começa a ser normal.

O sindicalismo, fruto de dois séculos de lutas operárias, está em crise por todo o mundo, como estão em crise todos os instrumentos de defesa colectiva e pacífica das pessoas que vivem do seu trabalho, e que agora, deixadas cada uma à sua sorte, sobrevivem obrigadas a aceitar, sim ou sim, o que os empregadores exigem: o dobro das horas de trabalho a troco de metade do salário

Os sindicatos, debilitados, perseguidos, pouco podem ajudar, e Deus tem, ao que parece, outras ocupações. O presidente Bush dele necessita dia e noite: o seu projecto de conquista do planeta é uma missão divina, e Deus guia-lhe os passos. Como se comunicam? Por mail?, por fax?, por telefone?, por telepatia? Segredo de Estado…

“As armas carrega-as o Diabo”. Este provérbio não se engana. Deus não pode ser tão lixado. Tem que ser o Diabo aquele que carrega as armas, ou pelo menos as armas de destruição massiva, as verdadeiras, as que o Iraque não possuía, as que estão a rebentar com o mundo: os bombardeamentos de mentiras das fábricas de opinião pública; as armas químicas da sociedade de consumo que enlouquecem o clima e apodrecem o ar; os gases venenosos das fábricas de medo, que nos obrigam a aceitar o inaceitável e que convertem a indignidade em fatalidade do destino; a mortífera impunidade dos assassinos em série elevados à categoria de Chefes de Estado; e as facas de dois gumes das grandes potências que multiplicam, simultaneamente, a pobreza e os discursos contra a pobreza e ao mesmo tempo vendem minas anti-pessoais e próteses ortopédicas, e que a partir dos céus descarregam mísseis e contratos de reconstrução sobre os países que aniquilam."


GALEANO, Eduardo, "Refranes",
Rebelión , 21 de Julho de 2005.

Imagem: Salvador Dalí,"Criança Geopolítica Observando o Nascimento do Homem Novo",1943.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Puta que pariu esta espécie de gente que parasita neste nosso planeta!! Morte a todos os capitalistas!! Morte à Direita!! Morte ao centro!! Morte a esta espécie de esquerda que nos Governa!

O Che é que tinha razão, esta merda já só lá vai pela revolução armada e pelo derrame de sangue!!

Saudações Trotskystas

2:14 da tarde

 

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