A MORDER OS CALCANHARES DO PODER

sexta-feira, setembro 23, 2005

Há coisas que nunca mudam...

“O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Toda a vida espiritual, intelectual parada. O tédio invadiu todas as almas. A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das secretárias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce. As falências sucedem-se. O pequeno comércio definha. A indústria enfraquece. A sorte dos operários é lamentável. O salário diminui. A renda também diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. Neste salve-se quem puder a burguesia… explora. A ignorância pesa sobre o povo como uma fatalidade. A intriga política alastra-se. O país vive numa sonolência enfastiada.”
Eça de Queiróz ,"As Farpas", 1871.

2 Comments:

Blogger Zé Geremias Povinho Leitão said...

Cento e tal anos depois vale a pena recordar... muito actual...
O mundo está do avesso e se não fizermos nada ele, não muda, piora...

2:01 da tarde

 
Blogger Diogo said...

O Eça de Queiróz ainda é vivo? Muitos parabéns pela sua longevidade.

8:53 da tarde

 

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