A MORDER OS CALCANHARES DO PODER

quinta-feira, setembro 08, 2005

"Como o livre mercado matou Nova Orleães"

"O livre mercado desempenhou um papel crucial na destruição de Nova Orleães e na morte de milhares dos seus residentes. Munidos de avisos antecipados de que um colossal furacão (de força 5) ia abater-se sobre essa cidade e os arredores, o que fizeram os funcionários? Puseram em jogo o livre mercado.

Anunciaram que todos deviam evacuar a cidade. Esperava-se que cada um criasse a sua própria saída da área de desastre por meios privados, tal como dita o livre mercado, tal como as pessoas fazem quando o desastre golpeia os países de livre­‑mercado do Terceiro Mundo.

É uma coisa bonita este livre mercado, no qual cada indivíduo persegue os seus próprios interesses pessoais e efectua um resultado óptimo para a sociedade inteira. É deste modo que a mão invisível obra as suas maravilhas.

Não haveria nenhuma evacuação colectivista arregimentada, como ocorreu em Cuba. Quando um furacão especialmente poderoso golpeou essa ilha no ano passado, o governo de Castro, apoiado pelos comités de cidadãos de bairro e por quadros locais do partido comunista, evacuou 1,3 milhões de pessoas, mais de 10 por cento da população do país, sem a perda de uma só vida, uma façanha inspiradora que passou praticamente inadvertida na imprensa dos EUA.

No Dia Um do desastre causado pelo furacão Katrina, já era claro que centenas, talvez milhares, de vidas americanas tinham sido perdidas em Nova Orleães. Muita gente se tinha “recusado” a fazer a evacuação, explicaram os repórteres dos media, simplesmente porque eram “teimosos”.

Não foi senão até ao Dia Três que os comentaristas relativamente abundantes começaram a dar­‑se conta que dezenas de milhares de pessoas não tinham podido fugir, porque não tinham para onde ir, nem meios para ir para lá. Com pouco dinheiro à mão, e carentes de veículo próprio, tiveram de aguentar firme e esperar o melhor. No final, o livre mercado não funcionou muito bem para eles.

Muitas destas pessoas eram afro­‑americanos de baixo rendimento, juntamente com um número menor de brancos pobres. Deve ser recordado que a maioria deles tinha um emprego antes da visita letal do Katrina. É isso o que faz a maioria das pessoas pobres neste país: trabalham, geralmente muito duro em empregos muito mal pagos, às vezes em mais de um emprego ao mesmo tempo. São pobres, não porque são preguiçosos, mas porque têm dificuldade em sobreviver com salários de miséria, ao mesmo tempo que estão sobrecarregados com altos preços, alugueres elevados e impostos regressivos.

O livre mercado desempenhou um papel de outras formas. A agenda de Bush é cortar serviços estatais até ao osso e obrigar as pessoas a recorrer ao sector privado para as coisas que possam precisar. Assim, cortou 71,2 milhões do orçamento do Corpo de Engenheiros de Nova Orleães, uma redução de 44 por cento. Os planos para fortificar os diques de Nova Orleães e para melhorar o sistema do bombeio para a drenagem de água tiveram de ser metidos na prateleira.

Bush apressou­‑se e afirmou que ninguém teria podido prever este desastre. Só mais uma mentira que sai dos seus lábios. Todo o género de pessoas tinha estado a predizer um desastre para Nova Orleães, assinalando a necessidade de consolidar os diques e as bombas, e fortificar as terras costeiras.

Na sua campanha para aniquilar o sector público, os reaccionários bushistas também permitiram que os construtores drenassem áreas extensas de pântanos. De novo, essa velha mão invisível do livre mercado se encarregaria de cuidar das coisas. Os construtores, perseguindo o seu próprio lucro privado, criariam resultados que nos beneficiariam a todos.

Mas os pântanos serviam como absorvente e barreira naturais entre Nova Orleães e as tempestades que chegam do mar adentro. E desde há já alguns anos, os pântanos têm estado a desaparecer a um ritmo assustador na costa do Golfo. Nada disto constituía preocupação para os reaccionários na Casa Branca.

Quanto à operação de resgate, os defensores do livre mercado gostam de dizer que a ajuda aos mais desafortunados entre nós se deve deixar em mãos da caridade privada. Era uma prédica favorita do presidente Ronald Reagan dizer que «a caridade privada pode fazer o trabalho». E durante os primeiros dias, essa parecia ser de facto a política para o desastre causado pelo furacão Katrina.

O governo federal não se avistava, mas a Cruz Vermelha entrou em acção. A sua mensagem: «Não envie alimentos, nem cobertores; envie dinheiro». Entretanto, Pat Robertson e a Christian Broadcasting Network –fazendo uma breve pausa na obra divina de impulsionar a nomeação de John Roberts para a Corte Suprema – fez um apelo para doações e anunciou a “Operação Bênção”, que consistiu num envio altamente publicitado mas totalmente inadequado de conservas e bíblias.

Pelo Dia Três, mesmo os media míopes começaram a dar-se conta do enorme fracasso da operação de resgate. As pessoas estavam a morrer porque a ajuda não tinha chegado. As autoridades pareciam mais preocupadas em prevenir o saque do que com o resgate das pessoas. Era a propriedade antes das pessoas, tal como os defensores do livre mercado sempre querem.

Mas surgiram perguntas que o livre mercado não parecia capaz de responder: Quem estava encarregado da operação de resgate? Por que tão poucos helicópteros e só um punhado de Guardas Costeiros para o resgate? Porque é que os helicópteros demoraram cinco horas para tirar seis pessoas de um hospital? Quando ganharia algum vapor a operação de resgate? Onde estavam os polícias federais? A guarda montada do estado? A Guarda Nacional? Onde estavam os autocarros e os camiões? Os abrigos e casas­ de­ banho portáteis? As provisões médicas e a água?

Onde estava a Segurança Interna? O que fez a Segurança Interna com os 33,8 mil milhões atribuídos a ela no ano fiscal de 2005? Mesmo o noticiário da tarde da ABC-TV (1 de Setembro de 2005) citou funcionários locais que disseram que «a resposta do governo federal foi uma vergonha nacional».

Num momento de saborosa (e talvez pícara) ironia, chegaram ofertas de ajuda estrangeira por parte da França, da Alemanha e de várias outras nações. A Rússia ofereceu enviar dois aviões carregados de alimentos e de outros materiais para as vítimas. Previsivelmente, todas estas propostas foram rapidamente recusadas pela Casa Branca. A América Formosa e Poderosa, a América Salvadora Suprema e Líder Mundial, a América Provedora da Prosperidade Global não podia aceitar a ajuda estrangeira de outros. Isso seria uma inversão de papéis humilhante e insultante. Será que os franceses procuravam outro murro no nariz?

Além disso, aceitar a ajuda estrangeira teria sido admitir a verdade – que os reaccionários bushistas não tinham nem o desejo nem a decência de proteger os cidadãos comuns, nem mesmo aqueles em situação de necessidade extrema. Quem sabe se as pessoas não começariam a pensar que George W. Bush realmente não era mais do que um agente a tempo inteiro da América corporativa."

PARENTI, Michael, " Como o livre mercado matou Nova Orleães",
Znet, 3 de Setembro 2005.

in.
Informação Alternativa

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Prós & Contras: Lixo Tóxico Televisivo! (carta aberta)


Em Portugal, país com alto défice de discussão pública, existe um programa de televisão que em muito contribui para que essa realidade se perpetue! Sob a fachada de um suposto quadro de oradores pluralista e democrático, esconde-se uma pura máquina de contra-informação mediática! Inserida na actual corrente jornalística, em que esses profissionais intentam agressivamente impor a sua opinião de modo manipulativo e coercivo, Fátima Campos Ferreira e a sua produção, forjam de forma descarada o ónus da discussão dos problemas que abordam. Com raras excepções, em que são convidados militantes ou simpatizantes de todos os quadrantes políticos, a maior parte das vezes, assiste-se não a um debate, mas a uma afinada conversa de amigos. Conversa esta, onde entre regozijos e troca de elogios, se pede até desculpa aos restantes intervenientes por se discordar superficialmente em determinado ponto da matéria em questão. Da mesma forma, quando é feita uma discussão com a presença da sociedade civil, existe uma enorme disparidade representativa das camadas sociais existentes na nossa nação e os ilustres senhores que se sentam naquelas cadeiras! Dá-se preferência, é explícito, aos grandes empresários, gestores, economistas e até à nova e irritante vaga de jornalistas economistas neo-liberais. O povo, este, principal atingido pelos celeumas ali debatidos, é arredado para uma mínima ou inexistente expressão opinativa! Geralmente, repito, salvo excepcionais situações, o campo ideológico é centrado entre a direita conservadora e a direita liberal. As controvérsias, quando as há, devem-se principalmente a rivalidades de poleiro entre as duas principais forças políticas, que compactuam e sabem muito bem usufruir da vantagem de não terem presente nenhuma voz alternativa à via pró-capitalista!
Ora vamos lá analisar a questão de uma forma séria e comprovativa: se em Portugal existe um sistema democrático que baseia a sua funcionalidade em regulares actos eleitorais, faz todo o sentido, que seja esta manifestação, um bom indicador da concordância dos votantes com os projectos e ideias apresentadas. Desta maneira, visto que uma boa parte dos portugueses não considera uma fatalidade determinística a eterna renovação do capitalismo, é completamente natural e justo, a comparência assídua, de um representante coerente com estas aspirações nos diversos debates que se realizam! Ainda para mais, tratando-se da televisão pública, de utilidade e serviço público! A RTP não deve ser regida como meio propagandístico do governo ou de lobbys neo-liberais!
Auto – denominando-se de “espaço de liberdade e descomprometido”, pregão inúmeras vezes repetido, este programa seguiu um percurso evolutivo cada vez mais sectário e faccioso. Escamoteia verdades factuais e utiliza artifícios de omissão, para forçosamente concluir que determinados problemas são insolúveis! Ou então, atirando para cima da mesa um monte de argumentos e não lhes atribuindo o verdadeiro valor, Fátima Campos Ferreira confunde os espectadores das reais causas que levaram a determinadas situações, ao que os presentes, muitas vezes com responsabilidades nas devidas matérias, cumplicitamente acenam com a cabeça em sinal de concordância. Lavam a imagem e as mãos como Pilatos. Partem do estúdio com um novo fôlego para uma qualquer eleição que se avizinha, ou quem sabe, um bom lugar na administração de uma empresa ou de uma instituição pública! Cumpriram a sua função de classe, ou seja, o reforço da actual veneração da doutrina capitalista. Sistema este, que utiliza assim os meios por nós financiados para garantir a sua manutenção. E encapotado por este embuste televisivo, impede que o povo se revolte e tome por direito aquilo que lhe pertence!
Não será por acaso, que a população portuguesa se sinta cada vez mais afastada da política! Não será por acaso, que o povo português se indague como é que todas as semanas se reúnem vários sábios com soluções para os diversos problemas do país e esses sapientes, muitas vezes ex-políticos de elevadas funções, em nada actuem para a efectiva melhoria das condições de vida da população! É de estranhar, isso sim, que o programa que simultaneamente é exibido na concorrência (Levanta-te e ri) consiga por vezes, ser mais conciso e verdadeiro nas críticas que faz, do que o próprio espaço de debate “livre e descomprometido”!

Acuso deste modo, em nome de todos os espectadores sérios e atentos, o programa “Prós & Contras”, de promover uma descomunal farsa “orweliana” que em todo plano nos transporta, para contextos informativos existentes em estados totalitaristas e ditatoriais.

Este programa, prova viva da actual decadência política, é um dos grandes culpados pela falta de participação e intervenção cívica da população nos assuntos de interesse geral. Pecando não só, por intricar questões banais em emaranhados retóricos de pura demagogia dispersante, como por boicotar a resolução destas, ao emborcar numa metodologia falaciosa! Promovendo deste modo, o atraso cultural, intelectual e político de todos nós e o afastamento cada vez mais acentuado entre o povo e os seus governantes!

O programa “Prós & Contras” deverá, célere e urgentemente, mudar o seu formato e filosofia de participação, sob pena de não garantir em pleno o direito constitucional de liberdade expressão para todos os cidadãos!


Itelvino Rodriguez

email: cerf@portugalmail.pt
site: www.carapau.pt.vu
#64294

7:29 da tarde

 

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