A MORDER OS CALCANHARES DO PODER

quinta-feira, dezembro 16, 2004

Pedro e Paulo

1. Tal como os apóstolos que lhes são homónimos, será que Pedro e Paulo culminarão o seu testemunho de vida morrendo pela fé em que acreditaram? Parece que não, apesar de esta analogia cristã ser pouco ortodoxa e de o país ter andado suspenso durante quase duas semanas pela resposta definitiva a tão religiosa dúvida. Assim, manda o bom senso que a história não se repita, nem como tragédia nem como farsa, inclusive porque o Jesus destes contemporâneos evangelizadores da direita portuguesa não deu propriamente a vida pela causa em que disse acreditar, preferindo o céu de Bruxelas ao purgatório de Lisboa. Além de que anunciar simultaneamente a morte e a ressurreição, e nos precisos moldes em que Pedro e Paulo o fizeram, redunda num contra-senso teológico quando não é possível garantir aos crentes incautos que haverá certamente vida para além da morte. E o mais provável é que não haja. Depende da fé.
Poderia, de outro modo, referir-me a um casamento de conveniência que acabou por culminar num divórcio também de conveniência, ao mesmo tempo que se proclamou inusitadamente um renovado hipotético casamento. Nesta perspectiva mais laica do problema, os promitentes nubentes recém-divorciados ficarão entretanto a viver numa espécie de união de facto. Para além de ser uma coisa estranha, que na vida não costuma ser assim, o problema maior é que determinados factos não suportam determinadas uniões - como já toda a gente percebeu e as eleições deverão confirmar. Até Pedro e Paulo sabem disso. Sobretudo Paulo.

2. Pedro Santana Lopes é o paradigma de uma nova classe de dirigentes políticos cuja afirmação pública resulta menos da competência específica para o desempenho de cargos de relevo do que da sua notoriedade. Nos tempos que correm - e esse não é infelizmente um exclusivo português, sendo porventura um problema central das democracias contemporâneas - mais importante do que ser reconhecido é ser-se conhecido, não importa como nem através de que meios. Sejam eles, como no caso em apreço, as revistas populares de grande difusão, os "reality show" televisivos, as ligações ao universo do futebol profissional, ou os momentos circenses da actividade partidária.

3. Anda por aí uma azáfama que ainda não chegou às páginas dos jornais. Sobretudo nos interstícios dos dois maiores partidos, cozinham-se as manobras tácticas que garantam desde já um lugar potencialmente elegível nas listas de deputados. Com um grau de certeza quase absoluta, podemos antever que ainda não será desta que o Parlamento português fugirá à sua habitual configuração: apenas dois ou três em cada dez deputados não resultarão de carreiras proficuamente construídas, em regime de quase exclusividade, nos aparelhos das estruturas partidárias respectivas.
COSTA, Luís, "Pedro e Paulo", Público, 16 de Dezembro de 2004.