A noite das facas longas
"Numa coisa devemos reconhecer o talento de Santana Lopes: o uso das metáforas. Elas têm sempre uma espécie de pregnância que as faz aderir ao discurso mediático (o processo é inverso, aliás), e que as lança para o discurso social. Como se pessoas passassem a falar a partir de uma nova aquisição linguística. Foi assim, por exemplo, com a incubadora onde um recém-nascido era alvo de pontapés malvados. Foi assim também agora com as facadas nas costas. Não podemos deixar de considerar que existe uma questão de infância que está em jogo (o bébé a quem não dão dão o carinho que ele espera) e uma questão de traição (a rivalidade de quem faz o mal nas costas de outro). Daí que faça algum sentido premonitório dizer que a 20 de Fevereiro teremos uma noite das facas longas. Levando a metáfora aos limites do mau-gosto (como no caso da incubadora), poderemos dizer que haverá uma concorrência entre as facas, a ver quem chega mais depressa ao estatuto da faca mais longa. E para isso é preciso começar já. E no círculo mais estreito dos que rodeiam Santana Lopes.
O primeiro-ministro demissionário sente agora que a imprensa tem palavras demasiado elogiosas para o PP. E diz que neste momento o PP é "fonte de todas as virtudes". De facto, a comunicação social, que aprecia os truques bem feitos, é sensível a uma estratégia em que tudo é impecável, corresponde ao que se poderia e deveria esperar, mas é de tal modo impecável que acaba por ser um elemento negativo nas relações entre os dois partidos. Paulo Portas pode fazer juras de fidelidade a um projecto, mas todos nós sentimos desde há muito que ele mudou de projecto. Anteontem a polémica estalou, com dirigentes do PP a exibirem as suas virtudes e uma reacção de irritação cada vez mais manifesta da parte de Santana Lopes. Manifestamente, Santana não se contém e nem mesmo se dá conta de que cada momento de impaciência corresponde a um momento de alegria do lado do PP, que nele vê mais um motivo para elevar a sua votação.
Inês Serra Lopes, no segredo dos pequenos deuses de São Bento, confidenciava na SIC que a deserção verificada dos ministros ao Conselho de Ministros tinha deixado Santana extremamente desanimado e mal-disposto: faltaram cinco ministos, cada um a tratar da sua vida. O que impressiona é o vazio que se vai alargando à volta de Santana Lopes. E as facas afiadas começam a surgir no interior do próprio partido. O que se passou com Morais Sarmento (que deu origem a uma saborosa contradição de Álvaro Barreto) faz parte dos "duelos ao sol" a que vamos assistir: uma estratégia inteiramente pessoal, correspondendo a um investimento simultaneamente hedonista e económico. Santana Lopes nada faz a não ser soltar os vocábulos mais inconvenientes. Santana Lopes fica bisonho e cabisbaixo. E são alguns amigos próximo que travam Morais Sarmento, que encarou a hipótese de desistir de ser deputado. O ambiente no PSD é de um torneio medieval, com trajos alugados para seduzir os turistas. "
COELHO, Eduardo Prado, "A noite das facas longas", Público, 17 de Janeiro de 2005.
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