A propósito dos tumultos em Paris II
"O ÓDIO".
"Em 1995 o realizador de cinema Mathieu Kassovitz contou-nos a história de Said, Vinz e Hubert, três jovens de uma periferia parisiense que acorda numa manhã em sobressalto devido às torturas sofridas por um jovem de 16 anos num interrogatório policial. A história acaba mal. Agora, morreram dois jovens electrocutados depois de uma acção policial e a pradaria urbana incendiou-se.
Esse belo e trágico filme intitulado O Ódio é uma crónica da permanente guerra civil travada por jovens desintegrados, desempregados e empurrados para a criminalidade com as forças policiais que podia ter sido feita dez anos antes. Ele é apenas mais uma abordagem criativa desta tragédia francesa que antecipa aquilo que um dia pode propagar-se a outros países.
O que está a passar-se em Paris já antes se passou. Paris é um permanente regresso ao passado nesta matéria da violência urbana e também não é por acaso que a França é um dos países europeus onde a extrema-direita fascista maior expressão institucional tem. Há duas décadas que os governos franceses de esquerda e de direita não conseguem dar respostas consequentes na integração das vagas de emigrantes que entraram no país. Há duas décadas que a política francesa oscila entre a defesa e a recusa, ambas radicais, de um modelo social utilizado como arma de arremesso nas barricadas ideológicas de cada tribo. Há duas décadas que a política francesa não sabe como enfrentar o crescimento explosivo do desemprego, da criminalidade, do gigantismo imobiliário em bairros dormitórios, horríveis e labirínticos, que cresceram nas periferias das grandes cidades. Há duas décadas que jovens marginalizados pela crise económica e por uma sociedade em crise de valores estão em guerra com forças policiais abandonadas à sua própria sorte. Uns são a mesma carne do canhão, açulados como cães ao ódio recíproco por um poder político irresponsável. Poder esse que tem, agora, na cara do ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, expoente de um populismo light mas profundamente pirómano a quem alguns espíritos mais entusiasmados com a suposta coragem das suas decisões já antecipam uma dimensão de grande estadista, a maior evidência.
A única resposta que Sarkozy consegue dar é a da repressão pura. Nada conseguirá, como nunca nenhum antes dele conseguiu. Nada se consegue neste campo estigmatizando o protesto e instrumentalizando a polícia. Nada se consegue desinvestindo na integração social ou entregando-o apenas à velha lógica misericordiosa da piedade católica. O que se está a passar em França é uma grande lição para todos, em particular para Portugal, onde as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto caminham a passos largos para uma guetização que poucos querem ver."
DÂMASO,Eduardo,"O ÓDIO", Diário de Notícias , 4 de Novembro de 2005.
"Em 1995 o realizador de cinema Mathieu Kassovitz contou-nos a história de Said, Vinz e Hubert, três jovens de uma periferia parisiense que acorda numa manhã em sobressalto devido às torturas sofridas por um jovem de 16 anos num interrogatório policial. A história acaba mal. Agora, morreram dois jovens electrocutados depois de uma acção policial e a pradaria urbana incendiou-se.
Esse belo e trágico filme intitulado O Ódio é uma crónica da permanente guerra civil travada por jovens desintegrados, desempregados e empurrados para a criminalidade com as forças policiais que podia ter sido feita dez anos antes. Ele é apenas mais uma abordagem criativa desta tragédia francesa que antecipa aquilo que um dia pode propagar-se a outros países.
O que está a passar-se em Paris já antes se passou. Paris é um permanente regresso ao passado nesta matéria da violência urbana e também não é por acaso que a França é um dos países europeus onde a extrema-direita fascista maior expressão institucional tem. Há duas décadas que os governos franceses de esquerda e de direita não conseguem dar respostas consequentes na integração das vagas de emigrantes que entraram no país. Há duas décadas que a política francesa oscila entre a defesa e a recusa, ambas radicais, de um modelo social utilizado como arma de arremesso nas barricadas ideológicas de cada tribo. Há duas décadas que a política francesa não sabe como enfrentar o crescimento explosivo do desemprego, da criminalidade, do gigantismo imobiliário em bairros dormitórios, horríveis e labirínticos, que cresceram nas periferias das grandes cidades. Há duas décadas que jovens marginalizados pela crise económica e por uma sociedade em crise de valores estão em guerra com forças policiais abandonadas à sua própria sorte. Uns são a mesma carne do canhão, açulados como cães ao ódio recíproco por um poder político irresponsável. Poder esse que tem, agora, na cara do ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, expoente de um populismo light mas profundamente pirómano a quem alguns espíritos mais entusiasmados com a suposta coragem das suas decisões já antecipam uma dimensão de grande estadista, a maior evidência.
A única resposta que Sarkozy consegue dar é a da repressão pura. Nada conseguirá, como nunca nenhum antes dele conseguiu. Nada se consegue neste campo estigmatizando o protesto e instrumentalizando a polícia. Nada se consegue desinvestindo na integração social ou entregando-o apenas à velha lógica misericordiosa da piedade católica. O que se está a passar em França é uma grande lição para todos, em particular para Portugal, onde as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto caminham a passos largos para uma guetização que poucos querem ver."
DÂMASO,Eduardo,"O ÓDIO", Diário de Notícias , 4 de Novembro de 2005.
3 Comments:
Quem semeia ventos colhe tempestades…
10:08 da tarde
O meu comentário à situação está na primeiro post sobre o assunto que editastes na sexta-feira. Já agora, o que se passa em Paris e que já se atingiu marselha, toulouse, etc, nada tem a ver com ódia. É a revolta a mostrar ao poder que em certos domínio o estado não cehga lá e nunca chegará. Em primeiro lugar, porque eles próprios jamais deixaram. Isso seria abrir o flanco, abrir brechas na sua própria torre. E assim a revolta perdurará.Um abraço
10:28 da tarde
Perdem qualquer legitimidade com esta forma de luta...e já agora entrem dentro daquelas casas e vejam o recheio, não me parece que vivam assim tão mal, muitos deles possuem mais tecnologia em casa que qualquer um de nós. Ontem reparei imagens na comunicação social, bairros sociais, mas cheios de mercedes estacionados a porta...casa, bem essa, foi proporcionada pelo estado. Eles que se façam a vida e trabalhem, eles próprios nao se querem integrar na comunidade. Há sim bastante desemprego, mas recentemente estive em Paris e vi muita oferta de trabalho em restaurantes e serviços em geral, que podem perfeitamente desempenhar, porque é uma camada da população que não tem muita escolaridade ( por opção e abandono escolar ), uma vez que a vida de marginalidade é bem atractiva e de menos sacrifícios. Querem violência, violência terão!!Morte aos pretos, argelinos, árabes e raio que os parta!!! E já agora se os outros morreram electrocutados, não andassem fugidos à polícia, boa coisa não era! Deviam morrer todos queimados, gostavam de andar a pagar um carro e verem-no de manhã todo destruído...isto nao são formas de luta, só uns selvagens agem assim, por isso parem de os defender, deviam ter vergonha!!!!!!!!
11:29 da manhã
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