A MORDER OS CALCANHARES DO PODER

sexta-feira, novembro 04, 2005

A propósito dos tumultos em Paris

"Violência sem tréguas em Paris:

Pala oitava noite consecutiva, os subúrbios da capital francesa foram palco de vários distúrbios provocados por grupos de jovens. A polícia até diz que esta noite foi calma, mas o saldo é de cerca de 400 viaturas incendiadas e 27 autocarros destruídos."



"Nas últimas semanas, o ministro do Interior francês afirmou que iria "limpar" os bairros problemáticos da "escumalha" que os habita, classificando os jovens dos subúrbios como "malfeitores"."



" O mesmo sistema de poder que fabrica a pobreza é o que declara guerra sem quartel aos desesperados que gera. Há um século, George Vacher de Lapouge exigia mais guilhotinas para purificar a raça. Este pensador francês, que acreditava que todos os génios são alemães, estava convencido de que só a guilhotina podia corrigir os erros da selecção natural e deter a alarmante proliferação dos ineptos e dos criminosos. «O bom bandido é um bandido morto», dizem, agora, aqueles que exigem uma terapia social de mão pesada.

A sociedade tem o direito de matar, em legítima defesa da saúde pública, perante a ameaça dos subúrbios empestados de vagabundos e toxicodependentes.

Os problemas sociais reduziram-se a problemas policiais e existe um clamor crescente em favor da pena de morte. É uma pena justa, diz-se, que permite poupar em cadeias, tem um efeito intimidatório e resolve o problema da reincidência suprimindo o possível reincidente. Morrendo, aprende-se a lição.

(…) O poder corta e volta a cortar a erva daninha, mas não pode atacar a raiz sem atentar contra a própria vida. Condena-se o criminoso, mas não a máquina que o fabrica, tal como se condena o toxicodependente mas não o modo de vida que cria a necessidade de consolo químico e a sua ilusão de fuga.

Assim, liberta-se de responsabilidade a ordem social que lança cada vez mais gente para as ruas e para os presídios e que gera cada vez mais desesperança e desespero. A lei é como uma teia de aranha, feita para apanhar moscas e outros pequenos insectos, e não para impedir a passagem dos bichos grandes.

Os delinquentes pobres são os vilões do filme, os delinquentes ricos escrevem o guião e dirigem os actores.”

GALEANO, Eduardo, De pernas para o ar – A escola do mundo às avessas”, Lisboa, Editorial Caminho, 2002,p. 105-106.


Foto: AP/François Mori

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Isto, não significa desculpar actos selváticos que acabam por atingir a generalidade dos cidadãos.

Mas, será que se estes jovens se sentissem integrados e não como uma horde de excluídos: económica, laboral, educacionalmente, etc, agiriam desta forma?

Tenho as minhas dúvidas.

Cumprimentos

10:20 da tarde

 
Anonymous Anónimo said...

A revolução deu lugar à revolta. Como disse o grande John Cage: "De derrota em derrota venceremos". A guerrilha urbana ditará a sua lei e o poder a sua força. No fim, logo saberemos, ficará o sistema. Ao contráro do revulocionário, o revoltoso não quer derrobar o Estado, sabe muito bem tirar partido dele, de tal modo, que o faz trenmer quando se sente atacado, invadido. Afinal, derrobar o Estado seria expôr-se!

10:21 da tarde

 

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