A MORDER OS CALCANHARES DO PODER

sexta-feira, novembro 17, 2006

A privatização das catástrofes

Pagar para ser salvo: o futuro da resposta às catástrofes

"A Cruz Vermelha acabou de anunciar uma nova parceria de resposta às catástrofes com a Wal-Mart. Quando o próximo furacão atacar, será uma co­‑produção da mega-caridade com o mega-supermercado.



Esta é, aparentemente, a lição aprendida com a calamitosa resposta governamental ao furacão Katrina: o negócio responde melhor às catástrofes.



«No fim, tudo vai acabar nas mãos do sector privado”, disse, em Abril, Billy Wagner, chefe de gestão de emergências para a Florida Keys, que actualmente monitoriza a tempestade tropical Ernesto. «Eles têm os conhecimentos. Ele têm os recursos».



Mas antes de este novo consenso avançar, talvez seja tempo de ver onde começou a privatização das catástrofes, e até onde levará inevitavelmente.



O primeiro passo foi a abdicação governamental da sua responsabilidade fundamental de proteger a população das catástrofes. Sob a administração Bush, sectores inteiros do governo, e em particular do Departamento de Segurança Interna, foram sendo transformados em santificadas agências de trabalho temporário, com funções essenciais entregues a companhias privadas. A teoria é que os empresários, conduzidos pela motivação do lucro, são sempre mais eficientes (por favor, suspendam o riso histérico).



Vimos os resultados em Nova Orleães: Washington mostrou-se assustadoramente débil e incompetente, em parte porque os seus especialistas de gestão de catástrofes tinham fugido para o sector privado e porque as suas infra­‑estruturas e tecnologia estavam completamente ultrapassadas. Pelo menos por comparação, o sector privado pareceu moderno e competente (um articulista do New York Times até sugeriu entregar a FEMA à Wal­‑Mart).



Mas a lua­‑de­‑mel não durou muito. “Para onde foi todo o dinheiro?”, perguntam as pessoas desesperadas, de Bagdade a Nova Orleães, de Cabul ao Sri Lanka golpeado pelo tsunami. Uma grande parte dele foi empregue em grandes despesas de capital destes grandes contratistas privados. Largamente sob o radar público, gastaram-se milhares de milhões de dólares de dinheiro dos contribuintes na construção de uma infra­‑estrutura privatizada de resposta às catástrofes: a ultra-moderna sede do Grupo Shaw em Baton Rouge, os batalhões de equipamento de remoção de terra da Bechtel, o campus de 2.400 hectares da Blackwater USA na Carolina do Norte (apetrechada com um campo de treino paramilitar e uma pista de dois quilómetros). Eu chamo-lhe o Complexo do Capitalismo das Catástrofes. Tudo o que você precisar quando estiver em sérias dificuldades, estes contratistas podem fornecer: geradores, tanques de água, camas, sanitas portáveis, casas móveis, sistemas de comunicação, helicópteros, medicamentos, homens armados...



Este Estado dentro do Estado foi construído quase exclusivamente com dinheiro de contratos públicos, incluindo a formação do seu pessoal (esmagadoramente, antigos funcionários, políticos e soldados). E, no entanto, está tudo nas mãos dos privados; os contribuintes não têm nenhum controlo ou reclamação sobre isso. Até agora, esta realidade não se evidenciou porque ao mesmo tempo que estas companhias estão a ter as suas contas pagas por contractos governamentais, o Complexo do Capitalismo das Catástrofes presta os seus serviços ao público de uma forma gratuita.



Mas aí está o problema: o governo dos Estados Unidos está a ficar sem dinheiro, em grande medida graças a este tipo de gastos descontrolados. A dívida nacional é de 8 biliões de dólares; o défice do orçamento federal é de pelo menos 260 mil milhões de dólares. Isto significa que mais cedo que tarde, os contratos vão secar. E ninguém sabe melhor isso do que as próprias empresas. Ralph Sheridan, director executivo da Good Harbor Partners, uma de centenas de novas companhias de contra­‑terrorismo, explica que «os gastos por parte de governos são esporádicos e chegam às bolhas». Os que estão por dentro chamam­‑lhe a “bolha da segurança interna”.



Quando rebentar, empresas como a Bechtel, a Fluor e a Blakwater vão perder a sua fonte primária de ingressos. Ainda terão todo o seu equipamento de alta­‑tecnologia, dando­‑lhes a capacidade para responder a catástrofes – enquanto o governo terá deixado escapar essa preciosa capacidade – mas então venderão a infra­‑estrutura financiada com dinheiros públicos ao preço que quiserem.



Eis uma imagem rápida do que poderá ocorrer num futuro próximo: transporte de helicóptero dos telhados de cidades inundadas (5.000 dólares por cabeça, 7.000 dólares por família, animais de estimação incluídos), água engarrafada e “alimentos preparados” (50 dólares por pessoa; caro, mas é a oferta e a procura) e uma cama num refúgio (mostre-nos a sua identificação biométrica – criada graças a um contrato lucrativo da Segurança Interna – e nós enviar­‑lhe­‑emos depois a conta. Não se preocupe, nós temos os meios: a espionagem também foi terceirizada).



O modelo é, evidentemente, o sistema de saúde dos EUA, no qual os ricos podem ter acesso ao melhor dos tratamentos em ambientes do tipo SPA, enquanto 46 milhões de norte-americanos não têm seguro médico. Como resposta de emergência, o modelo já está a funcionar na pandemia global da SIDA: o sector privado ajudou com proeza a criar medicamentos salvadores de vidas (com substanciais subsídios públicos), depois estabeleceu preços tão altos que a maioria dos infectados do mundo não pode pagar o tratamento.



Se esse é o historial mundial do sector privado nas catástrofes em câmara lenta, porque haveríamos de esperar que valores diferentes governassem as catástrofes de actuação rápida, como os furacões e até os ataques terroristas? É bom lembrar que quando as bombas israelitas zurziram o Líbano não há muito tempo, o governo dos EUA inicialmente tentou cobrar aos seus cidadãos o custo das suas próprias evacuações.


Há um ano, os cidadãos pobres e a classe trabalhadora de Nova Orleães estavam encalhados nos telhados das suas casas à espera da ajuda que nunca chegou, enquanto aqueles que puderam pagar a sua saída fugiram para a segurança. Os líderes políticos do país alegam que foi tudo um erro terrível, uma quebra nas comunicações que está a ser solucionada. A sua solução é ir ainda mais longe na via catastrófica das “soluções do sector privado”.



A não ser que uma mudança radical de curso seja exigida, Nova Orleães provará ser um vislumbre de um futuro distópico, um futuro de apartheid das catástrofes no qual os ricos são salvos e todos os outros são deixados para trás."

KLEIN, Naomi,
NO LOGO, 29 de Agosto de 2006.

in.
Informação Alternativa.

quinta-feira, novembro 16, 2006

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