Democracia económica
Este dado é alarmante: 45% dos latino-americanos prefere submeter-se a uma ditadura que lhes garanta emprego e uma renda suficiente, a viver numa democracia que os empurre para a miséria. Este é o resultado da investigação realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 2002, quando foram entrevistadas 30 mil pessoas em 18 países do continente, eu incluído.
Entre os países investigados, o Brasil conseguiu o primeiro lugar em termos de democracia formal, mas ficou em 15º nos itens de inclusão social, saúde, educação, emprego e cidadania. Os dados da investigação foram objecto de análise da conferência internacional “Democracia, participação cidadã e federalismo” promovida pelas Nações Unidas, realizada em Brasília nos dias 2 e 3 de Dezembro.
Com efeito, para muitos latino-americanos a liberdade não passa de um direito virtual. Em teoria, uma empregada doméstica do Sudeste brasileiro é livre para viajar e visitar a sua família no Nordeste. No entanto, os seus rendimentos são insuficientes. Desta forma, a liberdade que lhe é assegurada pela política, é-lhe simultaneamente negada pela economia.
Muitas pessoas preferem a segurança à liberdade. É o caso de uma boa parte da população dos Estados Unidos, país psicologicamente ocupado com Bin Laden (Nem Sun Tzu, nem Clausewitz previram esta forma de ocupação nos seus tratados sobre a guerra). Isto explica a reeleição de Bush.
O medo suprime a liberdade, pois gera insegurança e exige excesso de protecção. Basta olhar para os condomínios e edifícios habitados pelas famílias de altos rendimentos. São autênticas penitenciárias de luxo, com a diferença de os seus ocupantes possuírem a chave da porta e o direito de entrar e sair.
O capitalismo e o socialismo fracassaram historicamente. O primeiro por ter aprofundado a desigualdade entre os povos, obrigando hoje a que 2/3 da população mundial (cerca de 4 mil milhões de pessoas) tenha que sobreviver abaixo da linha de pobreza. O capitalismo não conseguiu combinar a democracia política com a económica
Muito pior, transformou a política num meio de assegurar a concentração da riqueza em poucas mãos. Este dado diz tudo: quatro cidadãos dos Estados Unidos – Bill Gates, Paul Allen, Larry Ellison e Warren Buffet - possuem juntos uma fortuna superior ao PBI de 42 nações com 600 milhões de habitantes.
O socialismo cometeu o erro contrário, democratizou a economia e privatizou a política, assegurando ao conjunto da sociedade alimentação, saúde, educação, trabalho e cultura, embora excluindo o direito à autodeterminação.
A investigação do PNUD deixa claro que a ditadura económica -este modelo neoliberal que agrava a desigualdade social - é o caldo de cultivo para o advir da ditadura política. Não foi outra a razão do golpe militar de 1964 no Brasil. Temiam as reformas básicas anunciadas pelo governo de João Goulart, reformas pelas quais até hoje a nação aguarda.
Acabo de ler "Francisco de Assís, o santo relutante" de Donald Spoto, excelente biografia que demonstra como até uma comunidade religiosa, integrada por homens dispostos a seguir os passos de Jesús, cede à tentação de se institucionalizar, trocando o evangelho pelo direito canónico e o espírito de serviço pela disputa pelo poder.
Isto é o que acontece com a economia, a mais ideologizada de todas as ciências, a ponto de idolatrar o mercado e colocar os interesses do capital acima dos direitos das pessoas. Ninguém duvida do evangelismo de Francisco, considerado por uma investigação dos media nos Estados Unidos, a figura más eminente dos últimos dois mil anos.
Mas reflectirá hoje a sua obra a Boa Nova trazida por Jesus? Uma boa obra política pode salvar um país da derrocada, mas será capaz de salvar a nação da miséria? A boa saúde das contas públicas reflecte o bem-estar dos cidadãos? Durante a ditadura, um general-presidente admitiu que “a economia vai bem, o povo vai mal”. A investigação do PNUD dá que pensar.
Sobretudo obriga-nos a indagar se a reconquista da democracia na América Latina é um avanço ou uma ilusão. Para ser um avanço necessita ser complementada pela democracia económica, ou seja, o acesso da maioria ao trabalho e aos rendimentos. Se é uma ilusão, em breve o Continente retornará a um ciclo de autoritarismo, como tantos que marcaram o seu passado.
Por que será que os nossos países temem tanto o desenvolvimento sustentável , a soberania nacional e a expansão do mercado interno? O superávit social não deveria ter mais importância do que o fiscal?
Entre os países investigados, o Brasil conseguiu o primeiro lugar em termos de democracia formal, mas ficou em 15º nos itens de inclusão social, saúde, educação, emprego e cidadania. Os dados da investigação foram objecto de análise da conferência internacional “Democracia, participação cidadã e federalismo” promovida pelas Nações Unidas, realizada em Brasília nos dias 2 e 3 de Dezembro.
Com efeito, para muitos latino-americanos a liberdade não passa de um direito virtual. Em teoria, uma empregada doméstica do Sudeste brasileiro é livre para viajar e visitar a sua família no Nordeste. No entanto, os seus rendimentos são insuficientes. Desta forma, a liberdade que lhe é assegurada pela política, é-lhe simultaneamente negada pela economia.
Muitas pessoas preferem a segurança à liberdade. É o caso de uma boa parte da população dos Estados Unidos, país psicologicamente ocupado com Bin Laden (Nem Sun Tzu, nem Clausewitz previram esta forma de ocupação nos seus tratados sobre a guerra). Isto explica a reeleição de Bush.
O medo suprime a liberdade, pois gera insegurança e exige excesso de protecção. Basta olhar para os condomínios e edifícios habitados pelas famílias de altos rendimentos. São autênticas penitenciárias de luxo, com a diferença de os seus ocupantes possuírem a chave da porta e o direito de entrar e sair.
O capitalismo e o socialismo fracassaram historicamente. O primeiro por ter aprofundado a desigualdade entre os povos, obrigando hoje a que 2/3 da população mundial (cerca de 4 mil milhões de pessoas) tenha que sobreviver abaixo da linha de pobreza. O capitalismo não conseguiu combinar a democracia política com a económica
Muito pior, transformou a política num meio de assegurar a concentração da riqueza em poucas mãos. Este dado diz tudo: quatro cidadãos dos Estados Unidos – Bill Gates, Paul Allen, Larry Ellison e Warren Buffet - possuem juntos uma fortuna superior ao PBI de 42 nações com 600 milhões de habitantes.
O socialismo cometeu o erro contrário, democratizou a economia e privatizou a política, assegurando ao conjunto da sociedade alimentação, saúde, educação, trabalho e cultura, embora excluindo o direito à autodeterminação.
A investigação do PNUD deixa claro que a ditadura económica -este modelo neoliberal que agrava a desigualdade social - é o caldo de cultivo para o advir da ditadura política. Não foi outra a razão do golpe militar de 1964 no Brasil. Temiam as reformas básicas anunciadas pelo governo de João Goulart, reformas pelas quais até hoje a nação aguarda.
Acabo de ler "Francisco de Assís, o santo relutante" de Donald Spoto, excelente biografia que demonstra como até uma comunidade religiosa, integrada por homens dispostos a seguir os passos de Jesús, cede à tentação de se institucionalizar, trocando o evangelho pelo direito canónico e o espírito de serviço pela disputa pelo poder.
Isto é o que acontece com a economia, a mais ideologizada de todas as ciências, a ponto de idolatrar o mercado e colocar os interesses do capital acima dos direitos das pessoas. Ninguém duvida do evangelismo de Francisco, considerado por uma investigação dos media nos Estados Unidos, a figura más eminente dos últimos dois mil anos.
Mas reflectirá hoje a sua obra a Boa Nova trazida por Jesus? Uma boa obra política pode salvar um país da derrocada, mas será capaz de salvar a nação da miséria? A boa saúde das contas públicas reflecte o bem-estar dos cidadãos? Durante a ditadura, um general-presidente admitiu que “a economia vai bem, o povo vai mal”. A investigação do PNUD dá que pensar.
Sobretudo obriga-nos a indagar se a reconquista da democracia na América Latina é um avanço ou uma ilusão. Para ser um avanço necessita ser complementada pela democracia económica, ou seja, o acesso da maioria ao trabalho e aos rendimentos. Se é uma ilusão, em breve o Continente retornará a um ciclo de autoritarismo, como tantos que marcaram o seu passado.
Por que será que os nossos países temem tanto o desenvolvimento sustentável , a soberania nacional e a expansão do mercado interno? O superávit social não deveria ter mais importância do que o fiscal?
BETTO, Frei,"Democracia económica",www.rebelion.org/noticia.php?id=8880.[16 de Dezembro de 2004]
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