A brutalidade de um governo perigoso
As declarações do ministro Rui Gomes da Silva (sim, ele é ministro), de quem se conhece uma única qualidade em mais de 20 anos de actividade política - a fidelidade canina a Pedro Santana Lopes -, estão abaixo do zero aceitável em democracia. São a ponta do iceberg de que não veremos o resto: não é conveniente ao sistema e às pessoas envolvidas que se conheçam as pressões exactas sobre a TVI. Mas sabemos que houve pressão política do pior governo de sempre sobre um órgão de informação privado.
Em defesa dos accionistas, a TVI dificilmente faria outra coisa que não falar com Marcelo Rebelo de Sousa. E este não poderia fazer outra coisa senão afastar-se de imediato se quisesse manter a independência. Paes do Amaral não estaria à espera que Rebelo de Sousa reagisse frontalmente, fazendo explodir na praça pública o que tantas vezes políticos, organizações e mesmos jornalistas escondem dos leitores e espectadores, como o director do "Expresso" aceita com aterradora naturalidade (09.10).
Há alguns meses citei aqui um sociólogo de há um século, Ferdinand Tönnies: "A imprensa é livre, mas os jornalistas não". Quatro entidades da SIC - Alcides Vieira, Daniel Cruzeiro, Rita Ferro Rodrigues e Sofia Pinto Coelho - encheram então uma página do PÚBLICO escandalizando-se com a frase de 1922. "SOU LIVRE", escreveu, com maiúsculas, Rita, coitadinha. O caso Rebelo de Sousa comprova a evidência tantas vezes iludida sob as promessas de independência total dos órgãos de informação. A imprensa é livre, a TVI não. O discurso "ao país" de José Eduardo Moniz (TVI, 08.10) prometendo um futuro da informação da TVI igual ao passado foi patético, pois há uma semana estava lá Marcelo, hoje não.
Isto também é válido para os outros órgãos de informação e grupos económicos num país em que o governo é tentacular. Mas há atitudes, ou circunstâncias, que distinguem as pessoas. O proprietário deste jornal, Belmiro de Azevedo, recordou na Gala dos 12 anos da SIC (06.10) a necessidade da independência dos órgãos de informação. A sua intervenção foi importante porque ocorreu no mesmo dia em que rebentou o caso Marcelo e porque ele se dirigia a Francisco Pinto Balsemão que, na primeira fila da plateia, tinha a seu lado o próprio Santana Lopes, saneador de Marcelo.
Foi ele, Santana Lopes, quem, depois de Gomes da Silva, falou não uma mas duas vezes da saída de Rebelo de Sousa da TVI. Santana reiterou palavra por palavra o que antes dissera o seu fiel apaniguado: em resumo, que Marcelo estava a mais na TVI. Trata-se da mais grave intromissão directa e abertamente expressa por um primeiro-ministro de Portugal na liberdade de expressão, a primeira de todas as liberdades cívicas. Eu acho incompreensível que os órgãos de informação e comentadores não tenham sublinhado que Santana Lopes disse exactamente o mesmo que Gomes da Silva. A origem do problema não é Gomes da Silva, é Santana.
Este governo é perigoso. A sua actuação nos "media" é e será de enorme brutalidade. E resulta da orientação de Santana, como o PÚBLICO indicava num relato sobre o Conselho Nacional do PSD de 3 de Setembro (09.10). A criação da "central de comunicação" por iniciativa do chefe do governo revela a prioridade absoluta de intervir sobre os "media".
A forma como o governo impôs desavergonhadamente à maior empresa privada portuguesa, a PT, a nomeação de Luís Delgado para a administração da Lusomundo Media revela que Santana Lopes e o seu exército de "comunicação" não brincam em serviço: querem calar todas as vozes independentes e contrárias ao governo, onde quer que elas estejam.
A entrada de Delgado já motivou duas demissões, a de Henrique Granadeiro, pontapeteado indignamente a dois meses do termo do seu mandato, e a de Silva Peneda, que não foi informado, como obrigavam os estatutos da empresa, da apressada nomeação do factotum comunicacional de Santana.
Tal como Gomes da Silva, Delgado é apaniguado de Santana Lopes há longos anos, desde os tempos em que o próprio Santana tentou criar um grupo editorial para intervir politicamente, com o semanário "Liberal". Delgado não tem escrúpulos - começou a dizer mal do governo Barroso exactamente no momento em que a PT (então dirigida pelo PS) ajudou à fundação do seu "Diário Digital", mas, como Gomes da Silva, conhece-se-lhe apenas a fidelidade a Santana, de quem é conselheiro e público defensor nos seus artigos e intervenções na SICN, na RDP, no "Diário Digital" e no "DN", onde mantém espaços apesar de estar na administração da Lusomundo Media, proprietária do mesmo "DN".
É importante sublinhar que a estratégia de "comunicação" não está isolada do resto da acção do núcleo mais santanista do governo. Ele tentará manter enorme pressão sobre os "media" porque Santana e o seu grupo não querem mais nada da política. Para eles, vencer é manter-se na crista da opinião pública o máximo tempo possível. A governação é irrelevante. Há muita coisa a fazer no governo sem ser governar. Há interesses invisíveis. Daí que seja preciso alimentar os "media" com irrelevâncias, como Santana tem feito desde há 20 anos, e calar as vozes contrárias (o que, agora no governo, se torna vital para não quebrar o feitiço sobre a opinião pública e alguns e algumas jornalistas).
O núcleo do governo será "mole" em todas as áreas, como se viu nos casos da ponte do feriado e da Via do Infante, pois o que quer é manter-se o máximo tempo no activo; esse é o único factor de "unidade" dos membros do governo entre si. O governo só será "duro" numa área, a única que Santana conhece a fundo e que sempre significou o seu ganha-pão político: os "media". Estes são tempos tenebrosos para o país.
E o PS, será alternativa? Cautela também com ele. Armado em cordeiro nesta crise em torno do caso Marcelo, o PS fez avançar como porta-voz no parlamento o mesmo homem que durante anos representou a política comunicacional do guterrismo, também ela tentacular, semelhante à de Santana, talvez um poucochinho menos brutal e certamente menos desajeitada que a de Gomes da Silva e menos obsessiva que a de Santana.
Qual a credibilidade do PS socrático nas suas críticas se mantém a mesma postura e as mesmas pessoas? Não me esqueço que esse Arons de Carvalho enviou ao director do PÚBLICO uma carta na sua qualidade de secretário de Estado pressionando o meu afastamento destas páginas por delito de opinião. A carta foi publicada neste jornal. Gomes da Silva e Arons de Carvalho, a mesma luta. Santana e Sócrates, a mesma luta?
Em defesa dos accionistas, a TVI dificilmente faria outra coisa que não falar com Marcelo Rebelo de Sousa. E este não poderia fazer outra coisa senão afastar-se de imediato se quisesse manter a independência. Paes do Amaral não estaria à espera que Rebelo de Sousa reagisse frontalmente, fazendo explodir na praça pública o que tantas vezes políticos, organizações e mesmos jornalistas escondem dos leitores e espectadores, como o director do "Expresso" aceita com aterradora naturalidade (09.10).
Há alguns meses citei aqui um sociólogo de há um século, Ferdinand Tönnies: "A imprensa é livre, mas os jornalistas não". Quatro entidades da SIC - Alcides Vieira, Daniel Cruzeiro, Rita Ferro Rodrigues e Sofia Pinto Coelho - encheram então uma página do PÚBLICO escandalizando-se com a frase de 1922. "SOU LIVRE", escreveu, com maiúsculas, Rita, coitadinha. O caso Rebelo de Sousa comprova a evidência tantas vezes iludida sob as promessas de independência total dos órgãos de informação. A imprensa é livre, a TVI não. O discurso "ao país" de José Eduardo Moniz (TVI, 08.10) prometendo um futuro da informação da TVI igual ao passado foi patético, pois há uma semana estava lá Marcelo, hoje não.
Isto também é válido para os outros órgãos de informação e grupos económicos num país em que o governo é tentacular. Mas há atitudes, ou circunstâncias, que distinguem as pessoas. O proprietário deste jornal, Belmiro de Azevedo, recordou na Gala dos 12 anos da SIC (06.10) a necessidade da independência dos órgãos de informação. A sua intervenção foi importante porque ocorreu no mesmo dia em que rebentou o caso Marcelo e porque ele se dirigia a Francisco Pinto Balsemão que, na primeira fila da plateia, tinha a seu lado o próprio Santana Lopes, saneador de Marcelo.
Foi ele, Santana Lopes, quem, depois de Gomes da Silva, falou não uma mas duas vezes da saída de Rebelo de Sousa da TVI. Santana reiterou palavra por palavra o que antes dissera o seu fiel apaniguado: em resumo, que Marcelo estava a mais na TVI. Trata-se da mais grave intromissão directa e abertamente expressa por um primeiro-ministro de Portugal na liberdade de expressão, a primeira de todas as liberdades cívicas. Eu acho incompreensível que os órgãos de informação e comentadores não tenham sublinhado que Santana Lopes disse exactamente o mesmo que Gomes da Silva. A origem do problema não é Gomes da Silva, é Santana.
Este governo é perigoso. A sua actuação nos "media" é e será de enorme brutalidade. E resulta da orientação de Santana, como o PÚBLICO indicava num relato sobre o Conselho Nacional do PSD de 3 de Setembro (09.10). A criação da "central de comunicação" por iniciativa do chefe do governo revela a prioridade absoluta de intervir sobre os "media".
A forma como o governo impôs desavergonhadamente à maior empresa privada portuguesa, a PT, a nomeação de Luís Delgado para a administração da Lusomundo Media revela que Santana Lopes e o seu exército de "comunicação" não brincam em serviço: querem calar todas as vozes independentes e contrárias ao governo, onde quer que elas estejam.
A entrada de Delgado já motivou duas demissões, a de Henrique Granadeiro, pontapeteado indignamente a dois meses do termo do seu mandato, e a de Silva Peneda, que não foi informado, como obrigavam os estatutos da empresa, da apressada nomeação do factotum comunicacional de Santana.
Tal como Gomes da Silva, Delgado é apaniguado de Santana Lopes há longos anos, desde os tempos em que o próprio Santana tentou criar um grupo editorial para intervir politicamente, com o semanário "Liberal". Delgado não tem escrúpulos - começou a dizer mal do governo Barroso exactamente no momento em que a PT (então dirigida pelo PS) ajudou à fundação do seu "Diário Digital", mas, como Gomes da Silva, conhece-se-lhe apenas a fidelidade a Santana, de quem é conselheiro e público defensor nos seus artigos e intervenções na SICN, na RDP, no "Diário Digital" e no "DN", onde mantém espaços apesar de estar na administração da Lusomundo Media, proprietária do mesmo "DN".
É importante sublinhar que a estratégia de "comunicação" não está isolada do resto da acção do núcleo mais santanista do governo. Ele tentará manter enorme pressão sobre os "media" porque Santana e o seu grupo não querem mais nada da política. Para eles, vencer é manter-se na crista da opinião pública o máximo tempo possível. A governação é irrelevante. Há muita coisa a fazer no governo sem ser governar. Há interesses invisíveis. Daí que seja preciso alimentar os "media" com irrelevâncias, como Santana tem feito desde há 20 anos, e calar as vozes contrárias (o que, agora no governo, se torna vital para não quebrar o feitiço sobre a opinião pública e alguns e algumas jornalistas).
O núcleo do governo será "mole" em todas as áreas, como se viu nos casos da ponte do feriado e da Via do Infante, pois o que quer é manter-se o máximo tempo no activo; esse é o único factor de "unidade" dos membros do governo entre si. O governo só será "duro" numa área, a única que Santana conhece a fundo e que sempre significou o seu ganha-pão político: os "media". Estes são tempos tenebrosos para o país.
E o PS, será alternativa? Cautela também com ele. Armado em cordeiro nesta crise em torno do caso Marcelo, o PS fez avançar como porta-voz no parlamento o mesmo homem que durante anos representou a política comunicacional do guterrismo, também ela tentacular, semelhante à de Santana, talvez um poucochinho menos brutal e certamente menos desajeitada que a de Gomes da Silva e menos obsessiva que a de Santana.
Qual a credibilidade do PS socrático nas suas críticas se mantém a mesma postura e as mesmas pessoas? Não me esqueço que esse Arons de Carvalho enviou ao director do PÚBLICO uma carta na sua qualidade de secretário de Estado pressionando o meu afastamento destas páginas por delito de opinião. A carta foi publicada neste jornal. Gomes da Silva e Arons de Carvalho, a mesma luta. Santana e Sócrates, a mesma luta?
TORRES, Eduardo Cintra,"A brutalidade de um governo perigoso" Público,11 de Outubro de 2004.
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