Espelho meu, espelho meu, será que o melhor primeiro-ministro sou eu?". Imagino que todas as manhãs Santana Lopes vai ao espelho e faz a pergunta. O espelho está cada vez mais turvo, e a resposta parece ser cada vez mais negativa. Digamos sem acinte que o nosso Primeiro-Ministro é hoje um homem acossado. Vê em cada sombra um potencial inimigo, um perigoso concorrente, o recorte impiedoso de um carrasco.
A resposta do espelho começa por ser amável mas céptica. Cavaco Silva ou Mário Soares ou Freitas do Amaral fazem parte dos que pertencem à ordem paterna: a gente olha para eles e vê no tom seguro, na consistência da voz, na firmeza do olhar, a figura do Pai. Já Guterres é sobretudo o bom Irmão. Não está acima de nós, não está abaixo, mas é um homem disponível, bem intencionado, activo e convincente. Quanto ao Governo, Álvaro Barreto ou Bagão Félix estão mais inclinados para serem pais, Morais Sarmento é o irmão "boxeur", há uns que ninguém sabe quem são. Gomes da Silva é quem é, e peço desculpa pela indelicadeza. Arnault é o filho de quem os pais se orgulham porque é o melhor aluno da escola. O pior é que Santana Lopes é também o filho, mas o filho um pouco boémio, que não estuda a lição, tendencialmente irrequieto, às vezes irresponsável. Isto é, e o espelho nestas coisas é impiedoso, Santana Lopes é tudo menos primeiro-ministro e secretário-geral de um grande partido. Daí que o efeito mágico que se esperava do orador brilhante, do polemista espectacular, se não verifique. Santana Lopes vestido de comunhão solene, a assinar o Tratado Europeu, é apenas uma figura teatral. Santana Lopes a pensar no futuro dos filhos, e de todos os filhos, enquanto a tinta preta estremece na brancura do papel, e a gente não acredita. Santana Lopes não coordena porque não foi feito para coordenar. É um insubordinador de almas. Quanto mais diz que coordena mais a gente sabe que ele sabe que nós sabemos que ele não coordena coisa nenhuma. O problema não é de conjuntura, é de estrutura.
Santana Lopes queixa-se que não lhe foi dada uma oportunidade, que nem uma semanita de "estado de graça" conseguiu obter. Mas será por acaso? Será por acaso que onde chega os conflitos se multiplicam, mesmo aqueles de que não tem culpa? Será por acaso que acaba sempre por largar o barco e vir-se embora a meio?
Segundo Freud, o neurótico realiza sempre aquilo que mais teme. Santana Lopes teme que o não tomem como primeiro-ministro e tanto faz por parecer que não chega a ser.
Daí os resultados das sondagens. Nunca o PSD bateu tanto no fundo da lata. O "leader" dá um vertiginoso trambolhão. Toda a gente percebeu, mesmo antes de o discutir, que o OE não tem credibilidade. A demagogia prolifera. O espelho virou caleidoscópio. O país baila e rodopia. Uns angustiam-se, outros enjoam. E o espelho repete dia após dia: não, tu não és primeiro-ministro.
A resposta do espelho começa por ser amável mas céptica. Cavaco Silva ou Mário Soares ou Freitas do Amaral fazem parte dos que pertencem à ordem paterna: a gente olha para eles e vê no tom seguro, na consistência da voz, na firmeza do olhar, a figura do Pai. Já Guterres é sobretudo o bom Irmão. Não está acima de nós, não está abaixo, mas é um homem disponível, bem intencionado, activo e convincente. Quanto ao Governo, Álvaro Barreto ou Bagão Félix estão mais inclinados para serem pais, Morais Sarmento é o irmão "boxeur", há uns que ninguém sabe quem são. Gomes da Silva é quem é, e peço desculpa pela indelicadeza. Arnault é o filho de quem os pais se orgulham porque é o melhor aluno da escola. O pior é que Santana Lopes é também o filho, mas o filho um pouco boémio, que não estuda a lição, tendencialmente irrequieto, às vezes irresponsável. Isto é, e o espelho nestas coisas é impiedoso, Santana Lopes é tudo menos primeiro-ministro e secretário-geral de um grande partido. Daí que o efeito mágico que se esperava do orador brilhante, do polemista espectacular, se não verifique. Santana Lopes vestido de comunhão solene, a assinar o Tratado Europeu, é apenas uma figura teatral. Santana Lopes a pensar no futuro dos filhos, e de todos os filhos, enquanto a tinta preta estremece na brancura do papel, e a gente não acredita. Santana Lopes não coordena porque não foi feito para coordenar. É um insubordinador de almas. Quanto mais diz que coordena mais a gente sabe que ele sabe que nós sabemos que ele não coordena coisa nenhuma. O problema não é de conjuntura, é de estrutura.
Santana Lopes queixa-se que não lhe foi dada uma oportunidade, que nem uma semanita de "estado de graça" conseguiu obter. Mas será por acaso? Será por acaso que onde chega os conflitos se multiplicam, mesmo aqueles de que não tem culpa? Será por acaso que acaba sempre por largar o barco e vir-se embora a meio?
Segundo Freud, o neurótico realiza sempre aquilo que mais teme. Santana Lopes teme que o não tomem como primeiro-ministro e tanto faz por parecer que não chega a ser.
Daí os resultados das sondagens. Nunca o PSD bateu tanto no fundo da lata. O "leader" dá um vertiginoso trambolhão. Toda a gente percebeu, mesmo antes de o discutir, que o OE não tem credibilidade. A demagogia prolifera. O espelho virou caleidoscópio. O país baila e rodopia. Uns angustiam-se, outros enjoam. E o espelho repete dia após dia: não, tu não és primeiro-ministro.
COELHO, Eduardo Prado, "Espelho meu",Público, 1 de Novembro de 2004
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