A MORDER OS CALCANHARES DO PODER

quarta-feira, novembro 10, 2004

A Sesta

O presidente da República diz, como disse há pouco tempo, que o país está à beira de uma crise sem precedentes? O dr. Santana Lopes disfarça: aplaude o discurso, deixa cair um sorriso e decide ser “positivo”. O país discute a saída de Marcelo Rebelo de Sousa da TVI e as pressões do governo sobre a comunicação social? O dr. Santana Lopes desvaloriza: enquanto ele for primeiro ministro, não há “ruído” que desvie o Governo das questões que “verdadeiramente interessam aos portugueses”. A oposição – acompanhada pela generalidade dos economistas – garante que o Orçamento é uma ficção e que os seus objectivos são impossíveis de cumprir? O dr. Santana Lopes não liga: com ele, as pensões sobem, os impostos descem, os salários aumentam e o défice mantém-se miraculosamente abaixo dos 3%. O Expresso refere, numa legenda, que o dr. Santana Lopes fez uma sesta antes de ir para a ModaLisboa? A legenda cai que nem uma bomba junto do primeiro-ministro. A sesta, transforma-se de imediato, num caso nacional com direito a desmentido e honras de comunicado. Evidentemente, o dr. Santana Lopes considera que a sua hipotética sesta é uma das tais questões que “verdadeiramente interessam aos portugueses”.
Assim sendo, e dada a gravidade do caso, o gabinete do primeiro-ministro decidiu emitir um comunicado a desmentir categoricamente a calúnia. Segundo a nota, divulgada através da agência Lusa, o primeiro-ministro não fez nenhuma sesta nesse dia: foi directamente da Assembleia da República e do debate mensal com a oposição para o desfile da ModaLisboa. Ana Costa Almeida, chefe de gabinete do dr. Santana Lopes, é testemunha desse percurso sem mácula: “Acompanhei o senhor primeiro-ministro na sua deslocação à assembleia da república, de onde saiu às 18h30 e não às 17h00 como foi dito e, depois disso, o dr. Santana Lopes não foi fazer qualquer sesta, como é afirmado.” Os portugueses podem, portanto, descansar: o dr. Santana Lopes não fez nenhuma sesta no dia em que foi à ModaLisboa. Como se pode ler no comunicado, a legenda do Expresso é uma calúnia, fruto de uma “linha editorial cada vez mais estranha”, que visa apenas denegrir a imagem do primeiro-ministro.
Dentro desta linha, no entanto, o comunicado podia ter sido um pouco mais explícito. Alertados para a falsa sesta do primeiro-ministro, os portugueses teriam todo o interesse em conhecer os verdadeiros contornos da história. Não chega saber que o primeiro-ministro saiu do parlamento às 18h30. É necessário ir mais longe! É importante perceber se o primeiro-ministro foi directamente do parlamento para a ModaLisboa. Se é verdade que fumou um cigarro a seguir ao debate. Se se confirma que mudou de sapatos. Depois disto, espera-se que o próximo comunicado do gabinete do primeiro-ministro revele, pelo menos, se o dr. Santana Lopes lanchou. O país agradece!

Sá, Constança Cunha e, “A sesta”, Sábado, nº25, 2004, p.62.