A MORDER OS CALCANHARES DO PODER

segunda-feira, novembro 29, 2004

Utopias

Vamos pôr os nossos olhos para além da infâmia, de modo a descortinar um outro mundo possível. Um mundo onde:

O ar esteja isento de qualquer veneno que não decorra dos temores humanos e das paixões humanas;

Onde, nas ruas, os automóveis sejam esmagados pelos cães;

Onde as pessoas não sejam conduzidas pelo automóvel, nem programadas pelo computador, nem compradas pelo supermercado, nem vistas pela televisão;

Onde o televisor deixe de ser o membro mais importante da família, passando a ser tratado como o ferro de engomar ou a máquina de lavar;

Onde as pessoas trabalhem para viver em vez de viverem para trabalhar;

Onde se inclua no Código Penal o delito de estupidez, delito esse cometido pelos que vivem para possuir ou para ganhar, em vez de viverem, muito simplesmente, para viver, tal como o pássaro canta sem saber que canta e a criança brinca sem saber que brinca;

Onde não se prendam os jovens que se recusem a fazer o serviço militar, mas sim os que queiram fazê-lo;

Onde os economistas deixem de chamar nível de vida ao nível de consumo, deixando de chamar qualidade de vida à quantidade de coisas;

Onde os chefes de cozinha já não pensem que as lagostas adoram ser fervidas vivas;

Onde os historiadores não pensem que os países ficam deleitados quando são invadidos;

Onde os políticos não julguem que os pobres se sentem encantados por andarem a ser sustentados com promessas;

Onde a solenidade deixe de acreditar que é uma virtude e ninguém leve a sério o indivíduo incapaz de se rir de si mesmo;

Onde a morte e o dinheiro percam os seus poderes mágicos e o falecimento ou a fortuna não transformem qualquer canalha num homem cheio de virtudes;

Onde ninguém seja considerado herói ou imbecil por fazer o que pensa ser justo em vez de fazer o que mais lhe convém;

Onde o mundo já não esteja em guerra contra os pobres, mas contra a pobreza, e a única solução da indústria de armamento consista em abrir falência;

Onde o alimento não seja uma mercadoria e a comunicação um comércio, pelo facto de o alimento e a comunicação serem direitos humanos;
Onde ninguém morra de fome porque ninguém morre de indigestão;

Onde as crianças de rua deixem de ser tratadas como lixo, por ter deixado de haver crianças de rua;

Onde as crianças ricas deixem de ser tratadas como se fossem dinheiro, por ter deixado de haver crianças ricas;

Onde a educação não seja o privilégio daqueles que a podem pagar;

Onde a polícia não seja a maldição dos que não a podem comprar;

Onde a justiça e a liberdade, irmãs siamesas condenadas a viver separadas, sejam de novo reunidas e passem a andar ombro a ombro;

Onde uma mulher negra seja presidente do Brasil e uma outra mulher negra seja presidente dos Estados Unidos; onde uma índia governe a Guatemala e uma outra o Peru;

Onde, na argentina, as loucas da Praça de Maio sejam um exemplo de saúde mental, por terem recusado o esquecimento no tempo da amnésia obrigatória;

Onde a Santa Madre Igreja corrija os erros das Tábuas de Moisés e o sexto mandamento ordene que se festeje o corpo;

Onde a Igreja dite um outro mandamento que Deus tinha esquecido: «Amarás a Natureza, de que fazes parte»;

Onde os desertos do mundo e os desertos da alma sejam reflorestados;

Onde se deposite esperança nos desesperados e os perdidos sejam reencontrados, por haverem sido eles que de tanto esperar desesperaram e de tanto procurar se perderam;

Onde sejamos compatriotas e contemporâneos de todos quantos quiserem a justiça e a beleza, independentemente dos sítios onde tenham nascido e do tempo em que hajam vivido, não se atribuindo importância nenhuma às fronteiras da geografia ou do tempo;

Onde a perfeição continue a ser enfadonho privilégio dos deuses, mas onde, neste mundo insano e perdido, cada noite seja vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro.

Galeano, Eduardo, Le Monde Diplomatique, Setembro, 2004.

O que um julgamento justo para Saddam acarretaria

A longa, tortuosa associação entre Saddam Hussein e o Ocidente levanta questões sobre que tópicos - e embaraços - podem vir à superfície em tribunal.

Num (virtualmente inimaginável) julgamento justo para Saddam, um advogado de defesa poderia muito bem chamar a depor Colin Powell, Dick Cheney, Donald Rumsfeld, George Bush I e outros altos funcionários que forneceram considerável apoio ao ditador, mesmo durante as suas piores atrocidades.

Um julgamento justo aceitaria pelo menos o elementar princípio moral da universalidade: os acusadores e o acusado devem ser sujeitos aos mesmos critérios.

Para um julgamento verdadeiramente justo, é seguramente relevante, tal como uma abundância de registos do Congresso e outros mostram, que Washington fez uma aliança não sagrada com Saddam durante os anos 80.

O pretexto inicial foi que o Iraque quebrou o Irão - que atacou com a protecção dos E.U. - mas esse mesmo apoio continuou bem após a guerra ter terminado.

Agora, os responsáveis pelas políticas de aliança trazem Saddam à barra da justiça.

Rumsfeld, como enviado especial de Ronald Reagan ao Médio Oriente, visitou o Iraque em 1983 e 1984 para estabelecer relações mais fortes com Saddam (ao mesmo tempo, a administração criticava o Iraque pelo uso de armas químicas).

Powell foi o conselheiro nacional de segurança de Bush I, de Dezembro de 1987 a Janeiro de 1989, e uns dias mais tarde tornou-se o presidente da Junta de Chefes do Estado Maior.

Cheney era o secretário de defesa de Bush I.

Assim, Powell e Cheney estavam em posições decisórias de topo no período das piores atrocidades de Saddam, o massacre e gaseamento de Curdos em 1988 e o esmagamento da rebelião xiita em 1991 que o poderia ter derrubado.

Hoje, sob Bush II, Powell, Cheney e outros relembram constantemente essas atrocidades para justificar bater no diabo - acertadamente, embora o elemento crucial do apoio a Saddam pelos E.U. durante este período não seja mencionado.

Em Outubro de 1989, Bush I publicou uma directiva de segurança nacional, declarando que «relações normais entre os Estados Unidos e o Iraque servirão os nossos interesses a longo­‑prazo e promoverão a estabilidade tanto no Golfo como no Médio Oriente.»

Os estados Unidos ofereceram os aprovisionamentos de alimentos subsidiados que o regime de Saddam desesperadamente precisava, juntamente com tecnologia avançada e agentes biológicos adaptáveis a armas de destruição maciça.

Quando Saddam descarrilou e invadiu o Kwait em 1990, as políticas e os pretextos variaram, mas um elemento permaneceu constante: O povo do Iraque não deve controlar o seu país.

Em 1990, as Nações Unidas impuseram sanções económicas ao Iraque, aplicadas principalmente pelos Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Estas sanções, que continuaram com os presidentes Clinton e Bush II, são talvez o mais lamentável legado da política dos E.U. em relação ao Iraque.

Não há ocidentais que conheçam melhor o Iraque do que Denis Halliday e Hans von Sponeck, que serviram lá sucessivamente como coordenadores humanitários das N.U. de 1997 a 2000. Ambos se demitiram em protesto pelas sanções, que Halliday caracterizou como «genocidas.»

Tal como eles e outros apontaram durante anos, as sanções devastaram a população iraquiana enquanto fortaleciam Saddam e a sua clique, aumentando a dependência do povo em relação ao tirano para sobreviver.

Quer se permita ou não que esta história saia cá para fora num tribunal, a questão sobre quem estará à frente do Iraque no futuro permanece crucial e é bastante discutida neste momento.

Aparte desse assunto, aqueles que têm estado preocupados com a tragédia do Iraque tinham três objectivos básicos: (1) derrubar o tirano, (2) acabar com as sanções que atingiam a população, não os governantes, e (3) preservar algo que se assemelhasse a uma ordem mundial.

Não pode haver desacordo entre pessoas decentes sobre os dois primeiros objectivos: Atingi-los é uma ocasião de regozijo, particularmente para aqueles que protestaram contra o apoio dos E.U. a Saddam e, mais tarde, se opuseram ao regime assassino de sanções; eles podem portanto aplaudir sem hipocrisia.

O segundo objectivo podia seguramente ter sido atingido, e possivelmente também o primeiro, sem minar o terceiro.

A administração Bush declarou abertamente a sua intenção de desmantelar o que restava do sistema de ordem mundial e de governar o mundo pela força, com o Iraque como projecto de demonstração.

Essa intenção despertou medo e frequentemente ódio por todo o mundo, e desespero entre aqueles que se preocupam com as consequências prováveis de escolher permanecer cúmplices com as actuas políticas dos E.U. de agressão sem freio. Essa é, claro, uma escolha em grande parte nas mãos do povo norte-americano.
CHOMSKY, Noam,"O que um julgamento justo para Saddam acarretaria", Toronto Star, 25 de Janeiro de 2004. http://pwp.netcabo.pt/0439515501/iraque/iraque2.htm

quinta-feira, novembro 25, 2004



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MANICÓMIO

Tempos de medo. Vive o mundo em estado de terror, e o terror disfarça-se: diz ser obra de Saddam Hussein, um actor já cansado de tanto trabalhar de inimigo, ou de Osama bin Laden, assustador profissional.

Mas o verdadeiro autor do pânico planetário chama-se Mercado. Este senhor não tem nada a ver com o estranho lugar do bairro que nos acode em busca de frutas e verduras. É um todo-poderoso terrorista sem rosto, que está em todas as partes, como Deus, e crê ser, como Deus, eterno. Os seus numerosos intérpretes anunciam: "O mercado está nervoso" e advertem: "Não há que irritar o Mercado".

O seu frondoso portuário criminal fá-lo temível. Passou a vida roubando comida, assassinando empregos, sequestrando países e fabricando guerras.

Para vender as suas guerras, o Mercado semeia medo. E o medo cria clima. A televisão ocupa-se de que as torres de Nova Iorque voltem a cair todos os dias. O que restou do pânico do antrax? Não só uma investigação oficial, que pouco ou nada averiguou sobre aquelas cartas mortais: também restou um espectacular aumento do orçamento militar dos Estados Unidos. E os milhões que esse país destina à indústria da morte não é brincadeira. Apenas um mês e meio desses gastos bastaria para acabar com a miséria no mundo, se não mentem os numerozinhos das Nações Unidas.

Cada vez que o Mercado dá ordem, a luz vermelha de alarme pisca no perigosímetro, a máquina que converte toda a suspeita em evidência. As guerras preventivas matam pelas dúvidas, não pelas provas. Agora é a vez do Iraque. Outra vez esse castigado país foi condenado. Os mortos saberão compreender: O Iraque contém a segunda reserva mundial de petróleo, que é precisamente aquilo de que o Mercado precisa para assegurar combustível ao esbanjamento da sociedade de consumo.

Espelho, espelhinho: quem é o mais temido? As potências imperiais monopolizam, por direito natural, as armas de destruição massiva.

Em tempos da conquista da América, enquanto nascia isso que agora chamam de Mercado global, a varíola e a gripe mataram muitos mais indígenas que a espada e o arcabuz. A bem sucedida invasão europeia teve muito que agradecer às bactérias e os vírus. Séculos depois, esses aliados providenciais converteram-se em armas de guerra, nas mãos das grandes potências. Um punhado de países monopoliza os arsenais biológicos. Há duas décadas, os Estados Unidos permitiram que Saddam Hussein lançasse bombas de epidemias contra os curdos, quando ele era um mimado do Ocidente e os curdos tinham má impressão, mas essas armas bacteriológicas haviam sido feitas com linhagens compradas a uma empresa de Rockville, em Maryland.

Em matéria militar, como todo o demais, o Mercado predica a liberdade, mas não gosta nem um bocadinho da competição. A oferta concentra-se nas mãos de poucos, em nome da segurança universal. Saddam Hussein mete muito medo. Apavora o mundo. Tremenda ameaça: o Iraque podería voltar a usar armas bacteriológicas e, muito mais grave ainda, poderia chegar a ter armas nucleares. A humanidade não pode permitir esse perigo, proclama o perigoso presidente do único país que usou armas nucleares para assassinar população civil. Terá sido o Iraque quem exterminou os velhos, mulheres e crianças de Hiroshima e Nagasaki?

Paisagem do novo milênio:

gente que não sabe se amanhã encontrará o que comer, ou se ficará sem tecto, ou como fará para sobreviver se adoecer ou sofrer um acidente;

gente que não sabe se amanhã perderá o emprego, ou se será obrigada a trabalhar o dobro em troca de metade, ou se a sua reforma será devorada pelos lobos da bolsa ou pelos ratos da inflação;

cidadãos que não sabem se amanhã serão assaltados na esquina, ou se lhes tomarão a casa, ou se algum desesperado lhes meterá uma faca na barriga;

camponeses que não sabem se amanhã terão terra para trabalhar e pescadores que não sabem se encontrarão rios ou mares não envenenados ainda;

pessoas e países que não sabem como terão amanhã dinheiro para pagar as suas dívidas multiplicadas pela usura.

Serão obras da Al Qaeda estes terrores quotidianos?

A economia comete atentados que não vêm nos jornais: cada minuto mata de fome 12 crianças. Na organização terrorista do mundo, que o poder militar custodia, há um bilião de famintos crónicos e seiscentos milhões de gordos.

Moeda forte, vida frágil: o Equador e El Salvador adoptaram o dólar como moeda nacional, mas a população foge. Nunca esses países haviam produzido tanta pobreza e tantos emigrantes. A venda de carne humana ao estrangeiro gera desterro, tristeza e divísas. Os equatorianos obrigados a procurar trabalho noutra parte enviaram para o seu país, no ano de 2001, uma quantidade de dinheiro que supera a soma das exportações de banana, camarão, atum, café e cacau.

Também o Uruguai e a Argentina expulsam os seus filhos mais jovens. Os emigrantes, netos de imigrantes, deixam as suas famílias despedaçadas e memórias que doem. "Doutor, partiram-me a alma': em que hospital se cura isso? Na Argentina, um concurso de televisão oferece, todo dia, o prémio mais cobiçado: um emprego. As filas são imensas. O programa elege os candidatos, e o público vota. Consegue trabalho o que mais lágrimas derrama e mais lágrimas arranca. A Sony Pictures está a vender esta fórmula de sucesso em todo o mundo.

Que emprego? O que vier. Por quanto? Por quanto seja e como seja. O desespero dos que buscam trabalho, e a angústia dos que temem perdê-lo, obrigam a aceitar o inaceitável. Em todo o mundo se impõe "o modelo Wal-Mart". A empresa número um dos Estados Unidos proíbe os sindicatos e estica os horários sem pagar horas extras. O mercado exporta o seu lucrativo exemplo. Quanto mais doridos estão os países, mas fácil se torna converter o direito trabalhista em papel molhado.

E mais fácil se torna, também, sacrificar outros direitos. Os pais do caos vendem a ordem. A pobreza e a desocupação multiplicam a delinquência, que difunde o pânico, e nesse caldo de cultivo floresce o pior. Os militares argentinos, que muito sabem de crimes, estão a ser convidados a combater o crime: que venham salvar-nos da delinquência, clama a gritos Carlos Menem, um funcionário do Mercado que de delinquência sabe muito porque a exerceu como ninguém quando foi presidente.

Custos baixíssimos, ganâncias mil, controles zero: um barco petroleiro parte-se pela metade e a mortífera maré negra ataca as costas de Galíza e mais além.

O negócio mais rentável do mundo gera fortunas e desastres "naturais". Os gases venenosos que o petróleo lança ao ar são a causa principal do buraco do ozono, que já tem o tamanho dos Estados Unidos, e da loucura do clima. Na Etiópia e em outros países africanos, a seca está a condenar milhões de pessoas à pior fome dos últimos vinte anos, enquanto que na Alemanha e outros países europeus sofrem inundações que foram a pior catástrofe do último meio século.

Além disso, o petróleo gera guerras. Pobre Iraque.

GALEANO, Eduardo, "Manicómio",Brecha, Montevideu, 7 de Março de2003

Pega Ladrão

Pega ladrão! No governo!Pega ladrão! No congresso!Pega ladrão! No senado!Pega lá na câmara dos deputados!Pega ladrão! No palanque!Pega ladrão! No tribunal!É por causa desses caras que tem gente com fome, que tem gente matando, etc e tal.
Pega, pega!Pega, pega ladrão!!Pega, pega!Pega, pega ladrão!!Pega, pega!Pega, pega ladrão!!A miséria só existe porque tem corrupção.
Pega, pega!Pega, ladrão!!Pega, pega!Pega, pega, ladrão!!Pega, pega!Pega, pega ladrão!!Tira do poder!Bota na prisão!!
E você, que é um simples mortal, levando uma vidinha legal, alguém já te pediu um real? Alguém já te assaltou no sinal?Você acha que as coisas vão mal?Ou você tá satisfeito? Você acha que isso é tudo normal?Você acha que o país não tem jeito?Aqui não tem terremoto, aqui não tem vulcão.Aqui tem tempo bom, aqui tem muito chão.Aqui tem gente boa, aqui tem gente honesta, mas no poder é que tem gente que não presta.
"Eu fui eleito e represento o povo Brasileiro.Confie em mim que eu tomo conta do dinheiro".
Refrão
Tira esses malandro do poder executivo!Tira esses malandro do poder judiciário!Tira esses malandro do legislativo!Tira do poder que eu já cansei de ser otário!Tira esses malandro do poder municipal!Tira esses malandro do governo estadual!Tira esses malandro do governo federal!Tira a grana deles e aumenta o meu salário!
- Tá vendo esta mansão sensacional? Comprei com o dinheiro desviado do hospital.- E o meu cofre, cheio de dólar? É o dinheiro que seria pra fazer mais uma escola.- Precisa ver minha fazenda! Comprei só com o dinheiro da merenda!- E o meu filhão? Um milhão só de mesada! E tudo com o dinheiro das criança abandonada.- E a minha esposa? Só não me leva à falência porque eu tapo esse buraco com o rombo da previdência.- Vossa excelência... Ce não viu meu avião! Comprei com uma verba que era pra construir prisão!- E a superlotação?- Problema do povão! Não temo imunidade? Pra nós não pega não.
Refrão
A miséria só existe porque tem corrupção.Desemprego só aumenta porque tem corrupção.Violência só explode porque tem tanta miséria e desemprego.Porque tem tanta corrupção!"Todos que me conhecem sabem muito bem que eu não admito o enriquecimento do pobre e o empobrecimento do rico!"E você, que nasceu nesse país.E que sonha e que sua pra ser feliz.Você presta atenção no que o candidato diz?Ou cê vota em qualquer um, seu babaca?E depois da eleição, você cobra resultado?Ou fica aí parado, de braço cruzado?Cê lembra em quem votou pra Deputado?E quem você botou lá no Senado?
Refrão
Gabriel o Pensador,"Pega Ladrão", Seja Você mesmo, mas não seja sempre o mesmo, 2002

Somos Americanos...

Somos o número um em milionários
Somos o número um em bilionários
Somos o número um em gastos militares
Somos o número um em mortes por armas de fogo
Somos o número um em produção de carne
Somos o número um em gasto per capita de energia.
Somos o número um em emissões de dióxido de carbono(mais do que a Austrália, o Brasil, a França, a Índia, a Indonésia, a Alemanha, a Itália, o México e o Reino Unido todos juntos).

enfim: somos o MÁXIMO!!!!!!

MOORE, Michael,"Brancos Estúpidos",2ªed.,Lisboa, Temas e Debates, 2004.

terça-feira, novembro 23, 2004

Nós Dizemos NÂO

Em Julho de 1988, em plena ditadura do general Pinochet, 300 intelectuais e artistas participaram no "Chile Cria", um encontro internacional de arte, ciência e cultura pela democracia no Chile. Este é o discurso de inauguração, que Eduardo Galeano pronunciou em nome de todos os convidados.

"Viemos de diversos países, e estamos aqui, reunidos à sombra generosa de Pablo Neruda: estamos aqui para acompanhar o povo do Chile, que diz não. Nós também dizemos não.
Dizemos não ao elogio do dinheiro e da morte. Dizemos não a um sistema que põe preço nas coisas e nas pessoas, onde quem mais tem é quem mais vale; dizemos não a um mundo que destina dois milhões de dólares por minuto para as armas de guerra enquanto mata, por minuto, 30 crianças, de fome ou doença curável. A bomba de neutrões, que salva as coisas e aniquila as pessoas, é um perfeito símbolo do nosso tempo. Para o sistema assassino que converte em objectivos militares as estrelas da noite, o ser humano não é nada mais do que um factor de produção e consumo e objecto de uso; o tempo não é outra coisa para além de um recurso económico; e o planeta inteiro, uma fonte de renda que deve render até a última gota do seu caldo. A pobreza é multiplicada para que a riqueza se possa multiplicar, e multiplicam-se as armas que garantem essa riqueza, riqueza de pouquinhos, e que mantém à margem a pobreza de todos os outros, e também se multiplica, enquanto isso, a solidão: nós dizemos não a um sistema que nega comida e nega amor, que condena muitos à fome de comida e muitos mais à fome de abraços.
Dizemos não à mentira. A cultura dominante, que os grandes meios de comunicação irradiam em escala universal, convida-nos a confundir o mundo com um supermercado ou uma pista de corrida, onde o próximo pode ser uma mercadoria ou um competidor, mas jamais um irmão. Essa cultura mentirosa, que grotescamente especula com o amor humano para lhe arrancar mais-valia, é na realidade a cultura da desvinculação : tem por deuses os ganhadores, os exitosos donos do dinheiro e do poder, e por heróis os "Rambos" fardados que cuidam das suas costas aplicando a Doutrina da Segurança Nacional. Pelo que diz e pelo que cala, a cultura dominante mente que a pobreza dos pobres não é um resultado da riqueza dos ricos, mas que é filha de ninguém, vinda no bojo de uma couve-flor ou da vontade de Deus, que fez os pobres preguiçosos e burros. Da mesma maneira, a humilhação de alguns homens provocada por outros não tem por que motivar a solidária indignação ou o escândalo, porque pertence à ordem natural das coisas: as ditaduras latino-americanas, por exemplo, fazem parte da nossa exuberante natureza e não do sistema imperialista de poder.
O desprezo transforma a história e mutila o mundo. Os poderosos fabricantes de opinião tratam-nos como se não existíssemos, ou como se fôssemos sombras tontas. A herança colonial obriga o chamado Terceiro Mundo, habitado por pessoas de terceira categoria, a aceitar como própria a memória dos seus vencedores, e obriga-o a compor a mentira alheia para a usar como se fosse a própria verdade. Premeiam a nossa obediência, castigam a nossa inteligência e desalentam a nossa energia criadora. Somos opinados, mas não podemos ser opinadores. Temos direito ao eco, não à voz, e os que mandam elogiam o nosso talento de papagaios. Nós dizemos não: nós negamo-nos a aceitar esta mediocridade como destino.
Nós dizemos não ao medo. Não ao medo de dizer, ao medo de fazer, ao medo de ser. O colonialismo visível proíbe dizer, proíbe fazer, proíbe ser. O colonialismo invisível, mais eficaz, convence-nos de que não se pode dizer, não se pode fazer, não se pode ser. O medo disfarça-se de realismo: para que a realidade não seja irreal, dizem os ideólogos da impotência, a moral haverá de ser imoral. Frente à indignidade, frente à miséria, frente à mentira, não temos outro remédio para além da resignação. Marcados pela fatalidade, nascemos preguiçosos, irresponsáveis, violentos, bobos, pitorescos e condenados à tutela militar. No máximo, podemos aspirar a converter-nos em prisioneiros do bom comportamento, capazes de pagar pontualmente os interesses de uma descomunal dívida externa contraída para financiar o luxo que nos humilha e o bastão que nos golpeia.
E neste estado de coisas, nós dizemos não à neutralidade da palavra humana. Dizemos não aos que nos convidam a lavar as mãos perante as quotidianas crucificações que ocorrem ao nosso redor. À aborrecida fascinação de uma arte fria, indiferente, contempladora do espelho, preferimos uma arte quente, que celebra a aventura humana no mundo e nela participa, uma arte irremediavelmente apaixonada e briguenta. Seria bela a beleza, se não fosse justa? Seria justa a justiça, se não fosse bela? Nós dizemos não ao divórcio entre a beleza e a justiça, porque dizemos sim ao seu abraço poderoso e fecundo.
Acontece que nós dizemos não, e dizendo não estamos dizendo sim.
Dizendo não às ditaduras, e não às ditaduras disfarçadas de democracias, nós estamos dizendo sim à luta pela democracia verdadeira, que a ninguém negará o pão e a palavra, e que será bela e perigosa como um poema de Neruda ou uma canção de Violeta Parra.
Dizendo não ao devastador império da cobiça, que tem o seu centro no norte da América, nós estamos dizendo sim a outra América possível, que nascerá da mais antiga das tradições americanas, a tradição comunitária: a tradição comunitária que os índios do Chile defendem desesperadamente, de derrota em derrota, há cinco séculos.
Dizendo não à paz sem dignidade, nós estamos dizendo sim ao sagrado direito de rebelião contra a injustiça e contra a sua longa história, longa como a história da resistência popular no longo mapa do Chile.
Dizendo não à liberdade do dinheiro, nós estamos dizendo sim à liberdade das pessoas: liberdade maltratada e machucada, mil vezes derrubada, como o Chile e, como o Chile, mil vezes erguida.
Dizendo não ao egoísmo suicida dos poderosos, que converteram o mundo num vasto quartel, nós estamos dizendo sim à solidariedade humana, que nos dá sentido universal e confirma a força de fraternidades mais poderosas que todas as fronteiras com todos os seus guardiães: essa força que nos invade, como a música do Chile, e que como o vinho do Chile nos abraça.E dizendo não ao triste encanto do desencanto, nós estamos dizendo sim à esperança, à esperança faminta e louca e amante e amada, como o Chile: a esperança obstinada como os filhos do Chile rompendo a noite."
GALEANO, Eduardo, "Nós Dizemos Não",Editora Revan, Brasil, 1990.

segunda-feira, novembro 22, 2004

NeoLiberalismo


NeoLiberalismo
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A Santanada

Se alguém esperava do primeiro-ministro o público pedido de desculpas a que estava obrigado pelos graves comportamentos do seu Governo contra a liberdade de expressão em que vem estando envolvido, enganou-se. A anunciada alocução de Santana Lopes foi precisamente o contrário disso. Uma tentativa de inverter a vaga de críticas que sobre a coligação de direita se abateu a propósito do caso de Marcelo Rebelo de Sousa e não só, algumas das mais contundentes oriundas do próprio PSD. O truque era, aliás, previsível: desvalorizar o clamor dos protestos como "ruído" conspiratório dos "políticos" sem qualquer fundamento, e falar, "para o povo", da excelência da obra em curso e do leite e do mel que aí vêm pela mão do dr. Santana.
Só que a santanada tropeçou em si mesma, tal a inabilidade e a estrutural incompetência em que este Governo se encontra atolado: cada gesto que faz para tentar desfazer a baralhada anterior acentua, em vez de apagar, o pior que existe nesta dupla Santana-Portas e seus sequazes, a quem o Presidente da República deu a faculdade de governar. Porque falhou, então, a encenação propagandística concebida pelas criaturas do dr. Santana?
Em primeiro lugar, porque, querendo desviar as atenções da opinião pública para as graves violações ao pluralismo e à livre expressão nos órgãos de informação de que este Governo é o principal promotor, a própria alocução do primeiro-ministro foi a confirmação dos piores receios que sobre esta matéria possam existir. O discurso não foi transmitido no tempo de antena do Governo, como devia ser, mas no tempo espaço informativo dos telejornais, onde surgiu como um puro acto de propaganda sem contraditório. Ainda por cima, não trazia qualquer informação nova, limitava-se a repetir promessas feitas na véspera pelo chefe do PSD em comício eleitoral nos Açores, a anunciar, pela segunda vez (o ministro das Finanças já o fizera há dias na televisão), as linhas gerais (?) do Orçamento do Estado e a desfiar o habitual rol de auto-elogios à acção do Governo e do seu abalado líder.
Em suma, uma comunicação que deixa as maiores preocupações sobre o futuro da liberdade de expressão neste país enquanto esta gente ficar no poder. Quanto mais isolada estiver a coligação PSD-PP, quanto mais acossado e em queda estiver Santana Lopes e o seu grupo, mais o Governo tenderá a refugiar-se, como agora fez, na conversa em família, na discursata oficial ou oficiosa sem debate e crítica plural, na manipulação dos órgãos de informação onde logrou colocar comissários políticos da sua confiança.
Em segundo lugar, procurava-se com esta "comunicação ao país" recuperar terreno, interromper o declínio, ensaiar um exercício de populismo caudilhista em direcção aos que "têm menos", mostrar-se o Governo da direita como aquele que se preocupa com os "mais desfavorecidos", enquanto "os políticos" se entretêm com intrigas e a "fazer ruído" sem sentido. Mas aqui a tentativa do dr. Santana não fez senão agravar ainda mais as contradições, a trapalhada e a falta de credibilidade relativamente a tudo aquilo em que este Governo toca.
Prometeu baixar as taxas do IRS, o que desdiz a opinião publicamente contrária do governador do Banco de Portugal e, mais do que isso, as explícitas declarações proferidas há dias pelo seu ministro das Finanças na televisão de que não havia condições para qualquer baixa na receita dos impostos. Em que é que ficamos? Baixam os impostos ou não? Quem está a mentir? Ou vai haver, daqui a dias, outra nota oficiosa do gabinete do primeiro-ministro a dizer que, afinal, ele não disse bem o que disse? Como se pode levar isto a sério?
Falou de aumentos dos salários na função pública. Sobre isto já o dr. Santana prometeu que subiriam acima da inflação (o que voltou a insinuar no tal comício açoriano), já o ministro das Finanças disse exactamente o contrário e, anteontem, limitou-se o primeiro-ministro a dizer que iam subir, sem explicar como e quanto. É que se ficarem, como tudo indica, aquém da subida real dos preços (e não das expectativas oficiais sempre propositadamente subestimadas) e não incorporarem os ganhos de produtividade, os salários não sobem, descem em termos reais. E é isso que o Governo, na sua intencional ambiguidade, está realmente a prometer.
Anunciou, na mesma linha vaga de fugir a precisões de números, valores, escalões, etc., a subida das pensões. Ninguém sabe bem o que se vai passar, a não ser isto: a promessa eleitoral, solene, deste Governo de fazer convergir as pensões mais baixas com o salário mínimo é uma miragem cada vez mais distante.
Nesta mão-cheia de nada que o dr. Santana veio oferecer ao país, fez um rol patético da "obra" do seu Governo. O que nele não são ninharias ou feitos alheios são tremendas agressões contra a vida dos mais pobres, dos trabalhadores por conta de outrem, ou das regiões mais deprimidas do país: taxas moderadoras da saúde mais caras e a pagar pelos mais carenciados, que são os que recorrem aos serviços públicos de saúde, uma lei das rendas que a breve trecho se vai revelar como a lei dos despejos, as portagens nas scut para agravar ainda mais a interioridade e a discriminação das regiões periféricas. Mas esqueceu-se de anunciar os aumentos trimestrais dos transportes públicos e a subida imparável do desemprego, tudo num quadro de quebra persistente do poder de compra.
Esqueceu-se também de explicar como é que tanta preocupação com "os que mais precisam" se compatibiliza com o recrutamento, em dois curtos meses, de milhares de "boys" dos partidos do poder, com ordenados frequentemente escandalosos, para as sinecuras do Estado e das empresas públicas; como vai lidar com as pensões milionárias da Caixa Geral de Depósitos, aliás transformada em depósito dourado de ministros incompetentes; o que vai fazer de concreto para combater a evasão e a fraude fiscal... Um afã de promessas redentoras que roça a irresponsabilidade, quando não se deixa cair nem uma palavra de prudência face à subida em flecha dos preços do petróleo que já ultrapassaram os 50 dólares por barril.
Em suma, um populismo já gasto, sem garra, preso, apesar deste ensaio de retórica despesista, nos limites do défice (para cuja política, verdadeiramente, a direita não tem alternativa), sem real margem de manobra, tropeçando constantemente nas suas mentiras, contradições e impossibilidades.
Em terceiro lugar, quiseram esses incompreendidos génios da propaganda santanista encenar o chefe em pose solene de homem de Estado, sentado à secretária, transpirando estabilidade institucional e unidade da coligação por sobre a espuma da intrigalhada da política menor. Mas a operação estava destinada à hilariedade geral, quando é sabido que algumas das mais duras críticas à governação santanista, chamemos-lhe assim por facilidade de expressão, vêm não só da coligação, mas do próprio PSD. Tanto no principal partido da coligação no poder, como no seio do Governo, é já indisfarçável o mal-estar geral, a barafunda, as contradições, os desmentidos, os tiros no pé, desde a saúde e as finanças ao ambiente, passando pelos fiascos da educação e os delírios bacocos da política de defesa.
Também, porque no meio de tanta pompa institucional, a via do dr. Santana leva, inexoravelmente, a que lhe fuja o pé para o chinelo. E não resistiu, aliás sintomaticamente, a provocar o Presidente da República, por insinuar publicamente divergências com o Governo. Como se estivesse ciente da impotência presidencial para correr com ele ou quisesse, por antecipação, surgir como vítima de qualquer inesperado golpe de humor presidencial. Na mesma linha, aliás, o dr. Santana desafia e desrespeita o Parlamento, procurando discutir e decidir o OE fora dele, à margem de qualquer debate sério e fundamentado, a golpes de propaganda.
O discurso do primeiro-ministro resumindo saldou-se num acto cinzento e melancólico de propaganda, sem golpe de asa, sem convicção, sem seriedade, qual recurso à beira do limite de alguém que não está preparado para governar e que não sabe bem como se manter à tona de água. A direita no seu pior.
Não será mais do que tempo de pôr um ponto final nesta balbúrdia de preço tão elevado e devolver a voz aos eleitores? Afinal de contas o dr. Santana só pode estar onde está porque lhes foi negado o direito de se pronunciarem.
ROSAS, Fernando, "A Santanada", Público, 13 de Outubro de 2004.



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Há poemas que falam por nós e pelos momentos que vivemos. Alexandre O´Neil escreveu «O Poema pouco original do medo» e não estava a pensar no que os EUA nos reservam para os próximos quatro anos. Mas podia tê-lo feito. O medo, afinal, venceu. Teve tudo, vai ter tudo.

«O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos
O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles
Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados
Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos
Sim
a ratos»

CARVALHO, Miguel,
http://visaoonline.clix.pt/paginas/conteudo.asp?CdConteudo=36097

Medidas de George W. Bush

Desde que chegou ao poder conseguiu, tomar estas brilhantes decisões:



Cortou 39 milhões de dólares na despesa federal com bibliotecas.

Cortou 35 milhões no financiamento da formação de médicos pediatras.

Cortou 50 por cento no financiamento para investigação de novas fontes de energia renovável.

Adiou as leis de redução dos níveis «aceitáveis» de arsénico na água potável.

Cortou 28 por cento no financiamento de investigação de carros menos poluidores e de mais baixo consumo.

Revogou leis que fortaleciam o poder do governo para recusar contratos de empresas que violam as leis federais, leis ambientais e a segurança no local de trabalho.

Permitiu que a secretária do Interior, Gale Norton, propusesse a abertura de monumentos nacionais para florestação, prospecção mineira de carvão e prospecção de petróleo e de gás.

Quebrou a sua promessa eleitoral de investir 100 milhões por ano na conservação da floresta tropical.

Reduziu em 86 por cento o Community Acess Program, que coordenava o tratamento de pessoas sem seguro de saúde entre hospitais públicos, clínicas e outros prestadores de serviços de saúde.

Anulou uma proposta para aumentar o acesso público a informação sobre potenciais ramificações de acidentes químicos em fábricas.

Cortou 60 milhões no financiamento do Girls and Boys Clubs of América.( programa nacional destinado a crianças socialmente desprotegidas. Promove a ocupação de tempos livres na área da educação, meio ambiente, saúde, artes, desporto, orientação profissional e prevenção da gravidez, das drogas e da criminalidade juvenil)

Retirou-se do Protocolo de Quioto de 1997 sobre aquecimento global, que acabou por ser assinado por 178 países.

Rejeitou um acordo internacional para pôr em prática o tratado de 1972 para banir armas bacteriológicas.

Cortou 200 milhões aos programas de formação de mão-de-obra para trabalhadores deslocados.

Cortou 200 milhões no subsídio à Childcare and Development, um programa que presta assistência a crianças de famílias de baixos recursos quando lhes é retirada a pensão do Estado e têm de ir trabalhar.

Eliminou a comparticipação a funcionários federais nas receitas de contraceptivos ( embora o Viagra ainda seja comparticipado).

Cortou 700 milhões nos financiamentos a reparações de habitações sociais.

Cortou 500 mil milhões de dólares ao orçamento da Agência para a Protecção Ambiental.

Derrubou as leis ergonómicas no local de trabalho destinadas a proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores.

Abandonou a promessa eleitoral de regulamentar as emissões de dióxido de carbono, grande responsável pelo aquecimento global.

Proibiu qualquer ajuda federal a organizações internacionais de planeamento familiar que ofereçam aconselhamento sobre aborto, encaminhamento ou serviços.

Nomeou o ex-executivo da empresa mineira Dan Lauriski vice- secretário do Trabalho para a segurança nas Minas e Saúde.

Nomeou Lynn Scarlett, uma céptica do aquecimento global e opositora a padrões mais rigorosos de diminuição da poluição do ar, subsecretária do Interior.

Aprovou o controverso plano da secretária do Interior, Gale Norton, para vender em leilão áreas próximas da costa oriental da Florida para exploração de gás e de petróleo.

Anunciou os seus planos para permitir a prospecção de petróleo na floresta nacional Lewis and Clark, em Montana.

Ameaçou encerrar o Gabinete da sida da Casa Branca.

Decidiu prescindir da orientação da Associação Americana de Magistrados sobre consultas judiciais federais.

Negou financiamento universitário a estudantes condenados por delitos menores de droga (embora criminosos condenados ainda usufruam de ajuda financeira).

Atribuiu apenas 3 por cento da quantia pedida pelos advogados do Departamento de Justiça no litígio continuado do governo contra as tabaqueiras.

Aplicou uma parte dos nossos impostos de maneira a que 43 por cento beneficiem um por cento dos americanos mais ricos.

Assinou uma lei que torna mais difícil aos americanos pobres e da classe média declararem insolvência, mesmo quando enfrentam contas médicas astronómicas.

Nomeou o opositor do Afirmating Action Program *, Kay Cole James para dirigir o Gabinete de Gestão de Pessoal. (* Programa existente em diversas instituições americanas com o fim de combater a discriminação e promover a identificação de minorias étnicas, mulheres, deficientes, etc).

Cortou 15,7 milhões aos programas que tratam de abuso e negligência de crianças.

Propôs a eliminação do Programa Ler é Fundamental, que dá livros a crianças pobres.

Forçou o desenvolvimento de «miniarmas nucleares» destinadas a atacar alvos profundamente enterrados – uma violação do Tratado Abrangente de Banimento de Testes Nucleares.

Tentou inverter a regulamentação que protege 2500 milhões de ares de floresta nacional do abate de árvores e da construção de estradas.

Nomeou John Bolton, opositor dos tratados de não- proliferação de armamento e das Nações Unidas, subsecretário de Estado para Controlo de Armamento e Segurança Nacional.

Tornou a executiva da Monsanto, Linda Fisher vice- administradora da agência de Protecção Ambiental.

Nomeou Michael McConnell, crítico da separação da Igreja do Estado, juiz federal.

Nomeou o opositor dos direitos civis Terrence Boyle juiz federal.

Cancelou a data- limite de 2004 para fabricantes de automóveis desenvolverem protótipos de carros de elevada quilometragem.

Nomeou John Walters, um fervoroso opositor dos programas de tratamento de toxicodependência nas prisões, director da National Drug Control Policy.

Nomeou J. Steven Giles, o elemento do grupo de pressão do petróleo e do carvão, vice-secretário do Interior.

Nomeou Bennett Raley, que pediu a rejeição da Lei de Espécies Ameaçadas, secretário-adjunto do Interior para a Água e Ciência .

Tentou cancelar o processo colectivo apresentado nos Estados Unidos contra o Japão por mulheres asiáticas forçadas a trabalhar como escravas sexuais durante a Segunda Guerra Mundial.

Nomeou procurador-geral Ted Olson, o seu advogado principal no fracasso eleitoral da Florida.

Propôs-se facilitar a construção de refinarias e barragens nucleares e hidroeléctricas, incluindo a redução dos padrões de protecção ambientais.

Propôs a venda de áreas de petróleo e gás na Reserva de Vida Selvagem do Alasca.”

Moore, Michael, Brancos Estúpidos, Temas e Debates- Actividades Editoriais Lda, Lisboa, Janeiro de 2004.


santana
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Elogio do Bom Senso

O nosso mundo doente de inconstância e desamparos sofre de uma outra bem cruel doença: a ausência de espaços amplos abertos ao diálogo e ao trabalho em comum. Onde encontrar um terreno de reunião em que o encontro e a troca ainda sejam possíveis? Não podemos nós começar por procurá-lo no senso comum? Neste bom senso hoje tão precioso e tão raro?

Vejamos, por exemplo, as despesas militares. O mundo dedica por dia 2,2 mil milhões de dólares à produção de morte. Mais precisamente, o mundo dedica esta fortuna astronómica a promover gigantescas caçadas em que o predador e a presa são da mesma espécie e de onde sai vencedor aquele que tiver matado o maior número dos seus congéneres. Nove dias de despesas militares é quanto bastaria para fornecer alimento, educação e cuidados médicos a todas as crianças da Terra que os não têm.


A priori, esta devassidão financeira constitui uma flagrante violação do sentido comum. E a posteriori? A versão oficial justifica tamanho desperdício invocando a guerra contra o terrorismo. Mas o bom senso diz-nos que o terrorismo lhe fica extremamente grato. Não é preciso sermos grandes sábios para constatar que as guerras do Afeganistão e do Iraque foram para o terrorismo um estímulo importante. As guerras correspondem a terrorismo de estado, o terrorismo de Estado alimenta-se com o terrorismo privado, e reciprocamente…

Os números foram publicados recentemente: a economia norte-americana retoma a sua progressão e volta a um crescimento de ritmo satisfatório. Segundo os peritos, sem as despesas ligadas à guerra na Mesopotâmia um tal crescimento seria nitidamente inferior. De certa maneira, portanto, a guerra contra o Iraque é uma excelente notícia para a economia. E para os mortos? Far-se-á o sentido comum ouvir pela voz das estatísticas económicas ou pela voz de um pai mortificado, Júlio Anguita, quando este diz: «Maldita seja esta guerra e todas as guerras»?

Os cinco maiores fabricantes e vendedores de armas (Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França) são os Estados com direito de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Não será um insulto ao bom senso que os garantes da paz mundial sejam também os mais importantes fornecedores de armas do planeta?

Na hora da verdade, são estes cinco países que mandam. São eles, igualmente, que dirigem o Fundo Monetário Internacional (FMI). Quase todos figuram entre os oito Estados que tomam as decisões determinantes no Banco Mundial, bem como na Organização Mundial de Comércio (OMC), onde o direito de voto está previsto mas nunca é utilizado.


Não deveria a luta pela democracia no mundo começar pela democratização dos organismos pretensamente internacionais? Que diz a este respeito o sentido comum? Não está previsto que ele emita opiniões. O bom senso não tem direito a voto, nem direito a falar.

Uma grande parte dos crimes mais atrozes e dos piores prejuízos que se cometem neste planeta é perpetrada através destes organismos (FMI, Banco Mundial, OMC) pretensamente internacionais. As suas vítimas são os «desaparecidos»; não os que se perderam no horror das ditaduras militares, mas os que «desaparecem» na democracia. No meu país, o Uruguai, nos últimos anos, bem como no resto da América Latina e nas outras regiões do mundo, desapareceram os empregos, os salários, as aposentações, as fábricas, as terras, os rios, e até os nossos próprios filhos, forçados a emigrar em busca daquilo que perderam retomando os passos, em sentido inverso, dos seus antepassados.


Acaso nos obrigará o bom senso a ter de suportar estas dores evitáveis? A aceitá-las, cruzando os braços, como se fossem a obra fatal do tempo ou da morte?

Aceitação? Resignação? Temos de admitir que a pouco e pouco o mundo se torna cada vez menos justo. Para dar um exemplo, a diferença entre o salário da mulher e o do homem já não é tão abissal como outrora. Mas ao ritmo a que as coisas vão, ou seja, nada depressa, a igualdade salarial entre homens e mulheres deverá realizar-se daqui a 475 anos! Que aconselha o bom senso? Esperar? Não há mulher nenhuma, que eu saiba, capaz de viver tanto tempo.


A verdadeira educação, a que emana do bom senso e conduz ao bom senso, ensina-nos a lutar para reavermos aquilo que nos usurparam. O bispo catalão Pedro Casaldaliga tem uma longa experiência dos anos passados na floresta brasileira. O que ele diz é o seguinte: se é verdade que mais vale ensinar a pescar do que dar um peixe, em contrapartida para nada serve ensinar a pescar se os rios tiverem sido envenenados ou vendidos.

Para pôr os ursos a dançar nos circos, o domador prepara-os; ao ritmo da música, bate-lhes com um pau coberto de espetos. Se dançarem correctamente, o domador deixa de lhes bater e dá-lhes comida. De contrário, a tortura continua, e à noite os ursos voltam para as jaulas de barriga vazia. Por medo, medo das pancadas e da fome, os ursos dançam. Do ponto de vista do domador isto é puro bom senso. Mas do ponto de vista do animal quebrantado?


Setembro de 2001, Nova Iorque. Quando o avião desventrou a segunda torre e esta começou a estalar e depois a desmoronar-se, as pessoas precipitaram-se pelas escadas abaixo a toda a pressa. Os altifalantes intimaram então todos os assalariados a regressar aos seus postos de trabalho. Quais terão agido com bom senso? Só os que desobedeceram se salvaram.

Para nos salvarmos, juntemo-nos. Como os patos voadores de um mesmo voo.


Tecnologia do voo colectivo: o primeiro pato lança-se e abre caminho ao segundo, que indica o caminho ao terceiro, e a energia do terceiro leva o quarto pato a voar, que arrasta o quinto, e o impulso do quinto provoca o voo do sexto, que dá forças ao sétimo…

Quando o pato batedor se cansa, volta à cauda do bando e dá lugar a outro, que sobe ao cume daquele V invertido que os patos desenham no ar. Todos sucessivamente irão à frente e atrás do grupo. Segundo o meu amigo Juan Díaz Bordenave, que não é «palmípedologista» mas que sabe da poda, nenhum pato se toma por superpato quando voa à frente, nem por subpato quando vai na cauda. Os patos, quanto a eles, não perderam o bom senso.

GALEANO, Eduardo, “Elogio do bom senso”, Le Monde Diplomatique, nº65, 2004

Chile-Novembro de 2004


Chile-Novembro de 2004
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Só para lembrar...

1953: EUA derrubam o Primeiro Ministro Mossadeq do Irão. EUA instalam Xá como ditador.

1954: EUA derrubam o Presidente Arbenz da Guatemala, democraticamente eleito. Morreram 200 mil civis.

1963: EUA apoiam o assassínio do Presidente Diem, do Vietname do Sul.

1963-1975: Exército americano mata 4 milhões de pessoas no Sudeste asiático.

11 de Setembro de 1973: EUA organizam golpe de estado no Chile. O Presidente democraticamente eleito Salvador Allende é assassinado. O ditador Augusto Pinochet instala-se no poder. Foram assassinados 5 mil chilenos.

1977: EUA apoia governo militar de El Salvador. Morrem 70 mil sansalvadorenhos e 4 freiras americanas.

1980’s: EUA treinam Osama bin Laden e terroristas associados para matar soviéticos. A CIA dá-lhes 3 mil milhões de dólares.

1981: A administração Reagan treina e financia “contras”. Morrem 30 mil nicaraguenses.

1982: EUA dão a Saddam Hussein milhares de milhões de dólares em armamento para matar iranianos.

1983: A Casa Branca dá secretamente ao Irão armas para matar iraquianos.

1989: O agente da CIA Manuel Noriega, também presidente da Panamá, desobedece a ordens de Washington. EUA invadem Panamá e afastam Noriega. Morreram 3 mil civis panamianos.

1990: Iraque invade Kuwait com armas dos EUA.

1991: EUA entram no Iraque. Bush repõe no poder o ditador do Kuwait.

1998: Clinton bombardeia “fábrica de armamento” no Sudão. Veio a saber-se que a fábrica produzia aspirina.

1991 até à data: aviões americanos bombardeiam Iraque semanalmente. Nações Unidas calculam que 500 mil crianças iraquianas morram devido a bombardeamentos e sanções.

2000-2001: EUA dão ao Afeganistão liderado pelos talibans 245 milhões de dólares em ‘ajudas’.

11 de Setembro de 2001: Osama bin Laden usa o que aprendeu com especialistas da CIA para assassinar cerca de 3 mil pessoas.


in Bowling for Columbine


Retirado de: www.outrouniverso.blogs.sapo.pt

domingo, novembro 21, 2004

Paradoxos

Metade dos brasileiros é pobre ou muito pobre, mas o país de Lula é o segundo mercado mundial de lapiseiras Montblanc e o nono comprador de automóveis Ferrari, e as lojas Armani de São Paulo vendem mais do que as de Nova Iorque.

Pinochet, o verdugo de Allende, prestava homenagem à sua vítima cada vez que falava do “milagre chileno”. Ele nunca o confessou, nem tampouco o disseram os governantes democráticos que chegaram depois, quando o “milagre” se converteu em “modelo”: O que seria do Chile se não fosse chileno o cobre, a trave mestra da economia que Allende nacionalizou e que nunca foi privatizado?


Nasceram na América, não na Índia, os nossos índios. Também o peru e o milho nasceram na América e não na Turquia, mas a língua inglesa chama «Turkey» ao peru e a língua italiana chama «granturco» ao milho.

O Banco Mundial elogia a privatização da saúde pública na Zâmbia: “É um modelo para a África. Já não há filas nos hospitais”. O diário The Zambian Post, completa a ideia: “Já não há filas nos hospitais, porque as pessoas morrem em casa”.

Há quatro anos, o jornalista Richard Swift, chegou aos campos do oeste do Gana, onde se produz cacau barato para a Suiça. Na sua mochila, o jornalista levava tabletes de chocolate. Os cultivadores de cacau nunca tinham provado chocolate. Ficaram encantados.

Os países ricos, que subsidiam a sua agricultura ao ritmo de mil milhões de dólares por dia, proíbem os subsídios à agricultura nos países pobres. Colheita recorde junto ao rio Mississipi: o algodão americano inunda o mercado mundial e derruba o preço. Colheita recorde junto ao rio Níger: o algodão africano vale tão pouco que nem vale a pena recolhê-lo.

As vacas do Norte, ganham o dobro dos camponeses do Sul. Os subsídios que cada vaca recebe na Europa e nos Estados Unidos, são o dobro da quantidade média de dinheiro que ganha, por um ano inteiro de trabalho, cada produtor dos países pobres.

Os produtores do Sul, acedem desunidos ao mercado mundial. Os compradores do Norte impõem preços de monopólio. Desde que, em 1989, morreu a Organização Mundial do Café e acabou o sistema de cotas de produção, o preço do café anda de rastos. Nos últimos tempos, pior do que nunca: na América Central, quem semeia café, colhe fome. Mas não baixou nem um bocadinho, pelo que sei, o que pagamos para o beber.

Carlos Magno, criador da primeira grande biblioteca da Europa, era analfabeto.

Joshua Slocum, o primeiro homem que deu a volta ao mundo navegando sozinho, não sabia nadar.

Há no mundo tantos esfomeados como gordos. Os esfomeados comem lixo nas lixeiras, os gordos comem lixo no McDonald’s.

O progresso faz inchar. Raratonga é a mais próspera das ilhas Cook, no Pacífico Sul, com espectaculares índices de crescimento económico. Mas mais espectacular é o crescimento da obesidade entre os seus homens jovens. Há 40 anos, 11 em cada 100 eram gordos. Agora, todos são gordos.

Desde que a China se abriu a esta coisa a que chamam “economia de mercado”, o menu tradicional de arroz com vegetais, foi ferozmente desalojado pelos hambúrgueres. O governo chinês, não teve outro remédio senão declarar guerra contra a obesidade, convertida em epidemia nacional. A campanha de propaganda difunde o exemplo do jovem Liang Shun, que emagreceu 115 kg no ano passado.

A frase mais famosa atribuída a Dom Quixote (“ Ladram Sancho, é sinal que cavalgamos”) não aparece na novela de Cervantes; e Humphrey Bogart não a diz a frase mais famosa atribuída ao filme Casablanca (“Play it again, Sam”).

Ao contrário do que se crê, Ali Bábá não era o chefe dos 40 ladrões, mas seu inimigo; e Frankenstein não era o monstro mas sim o seu involuntário inventor.

À primeira vista, parece incompreensível, e à segunda vista também: onde o progresso mais progride, mais horas as pessoas trabalham. A doença por excesso de trabalho conduz à morte. Em japonês, diz-se: Karoshi. Agora, os japoneses estão a incorporar outra palavra no dicionário da civilização tecnológica: “Karojsatsu é o nome dado aos suicídios provocados por hiperactividade, cada vez mais frequentes.

Em Maio de 1998, a França reduziu a semana laboral de 39 para 35 horas. Essa lei, não só se revelou eficaz contra a desocupação, como também deu um exemplo de rara sanidade neste mundo que perdeu um parafuso, ou vários, ou todos: para que servem as máquinas, se não reduzem o tempo de trabalho humano? Mas os socialistas perderam as eleições e a França voltou à anormal normalidade do nosso tempo. Já se está a evaporar a lei que havia sido ditada pelo senso comum.

A tecnologia produz sandes quadradas, frangos sem penas e mão-de-obra sem carne e osso. Nuns quantos hospitais dos Estados Unidos os robots cumprem tarefas de enfermagem. Segundo o diário The Washington Post, os robots trabalham 24 horas por dia, mas não podem tomar decisões, porque carecem de senso comum: um involuntário retrato do trabalhador exemplar do mundo futuro.

Segundo os Evangelhos, Cristo nasceu quando Herodes era rei. Como Herodes morreu quatro anos antes da era cristã, Cristo nasceu pelo menos quatro anos antes de Cristo.

Com trovões de guerra se celebra em muitos países, a noite de Natal. Noite de paz, noite de amor: o foguetório enlouquece os cães e deixa surdos os homens e mulheres de boa vontade.

A cruz suástica, que os nazis identificaram com a guerra e com a morte, havia sido um símbolo de vida na Mesopotâmia, na Índia e na América.

Quando George W. Bush propôs cortar os bosques para acabar com os incêndios florestais, não foi compreendido. O presidente parecia um pouco mais incoerente do que de costume. Mas ele, estava a ser consequente com as suas ideias. São os seus santos remédios: para acabar com a dor de cabeça, há que decapitar o doente; para salvar o povo iraquiano, vamos bombardeá-lo até o fazer em puré.

O mundo é um grande paradoxo que gira no universo. Por este andar, daqui a pouco tempo os proprietários do planeta proibirão a fome e a sede, para que não faltem o pão nem a água.

GALEANO, Eduardo, “Paradojas”, www.rebelion.org/cultura/galeano201002.htm.

USA


USA
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sábado, novembro 20, 2004

George W. Bush, Segunda Parte.

"Como seria de esperar, a direita portuguesa - a genuína e a da moda - exultou com a vitória eleitoral de Bush. É natural: para trás ficaram quatro anos de decepção sobre as capacidades governativas do seu favorito americano. Aos olhos do mundo inteiro, o Iraque foi um desastre de todo o tamanho, para mais tornado possível através de um processo deliberado de mentira e de fabricação de supostas "provas". O Presidente dos Estados Unidos, em perfeita consciência e deliberadamente, mentiu ao mundo, desrespeitou a ONU, desprezou o direito internacional e quis convocar os seus aliados tradicionais para uma guerra fundada numa mentira: ficará como precedente e continuará a causar danos difíceis de superar na imagem da América e na relação transatlântica: decididamente, não foi boa política.
Para além do desastre do Iraque, a Administração Bush mostrou também a face unilateral dos Estados Unidos no que respeita aos direitos humanos - Guantánamo, não aceitação da jurisdição do Tribunal Penal Internacional e instituição do regime de suspensão de liberdades individuais consagrado no Patriot Act. Mostrou o seu unilateralismo, melhor, o seu egoísmo irresponsável, no que respeita a questões ambientais graves que afectam todo o planeta e em que os EUA são os principais responsáveis de algumas delas: não aceitação do Protocolo de Quioto, prospecção de petróleo no Alasca, falsificação de relatórios internos científicos relativos ao aquecimento global e outros. E mostrou o seu unilateralismo no domínio do comércio internacional, na política de défices continuados e desvalorização do dólar face ao euro, na ajuda ao combate à pobreza, até como medida política para evitar futuras complicações internacionais, e na política energética adoptada, cuja factura representou para o mundo inteiro "apenas" o custo do barril de petróleo ao dobro do preço anterior à invasão do Iraque. Francamente, não me parece que qualquer europeu, mesmo de direita, tenha alguma coisa com que se regozijar por estes quatro anos de presidência de George W. Bush.
Ah, e "o combate ao terrorismo?", perguntarão. A América não estará hoje mais segura do que estava, a seguir ao 11 de Setembro? Infelizmente, duvido que esteja. Sei que a Europa não está, como o demonstrou o ataque em Atocha, Madrid, na Páscoa passada, e como o demonstra o constante terror em que vivem, por exemplo, os ingleses, cujo ministro do Interior fala abertamente na fatalidade de um grande ataque da Al-Qaeda em Inglaterra.
É certo que os americanos, felizmente, escaparam, por enquanto, a novo morticínio ordenado por Bin Laden. Mas não sei se estarão mais seguros: Bin Laden, ao contrário das bravatas de Bush ("Vou apanhá-lo, vivo ou morto!"), continua livre e operacional, dando-se até ao luxo de falar aos americanos nas vésperas da eleição - quem o teria previsto, há três anos? E é certo ainda que a invasão do Iraque - onde a Al-Qaeda não existia, ao contrário do que jurava a Casa Branca - forneceu a esta e outras organizações terroristas um campo de recrutamento de assassinos de inesperada facilidade. Mas é ainda curioso notar que, tendo sido Bush apresentado como o campeão da luta antiterrorismo e apesar das facilidades de investigação concedidas pelo regime prisional inqualificável de Guantánamo, a maioria das investigações conduzidas a bom termo, a maioria das prisões de terroristas efectuadas e a maioria do desmembramento de redes têm sido conseguidas, não nos Estados Unidos ou por profissionais americanos, mas sim na Europa e no Extremo Oriente, em investigações autónomas das dos americanos. A verdade tem sido esta: a segurança da América está a dever mais aos europeus e asiáticos do que o contrário. Da mesma forma que gostaria muito de saber o que andou Bush a fazer durante as quatro horas que desapareceu a seguir a ter tido início o ataque às Twin Towers, também gostaria de saber que sucessos conseguiu, em concreto, a sua administração na luta contra o terrorismo.
O que verá, então, a direita europeia neste Presidente americano que justifique tamanha satisfação? Os célebres "valores morais", não vejo que outra coisa. O tal factor que, segundo as sondagens, terá sido o principal desequilibrador dos votos a favor de Bush. Será isso então que justifica o entusiasmo com que, por exemplo, Vasco Graça Moura exulta com a vitória de Bush "contra a Europa do politicamente correcto, contra a esquerda em geral... enfim, e isto dá-me um certo gozo interior, contra o dr. Mário Soares".
Gozo? Politicamente correcto? Mas será que cabe no índex maldito do politicamente correcto coisas como ser-se contra a criminalização do aborto e a pena de morte, ou ser-se a favor da separação entre o Estado e a religião, da diferenciação entre a taxa de imposto para ricos e para pobres, do direito à educação, à saúde e à assistência social para todos, independentemente das suas possibilidades financeiras? É que são estes, caso não tenham reparado, alguns dos "valores" que a direita cristã americana impôs nesta eleição.
Alguns comentadores de direita têm insistido em ver no desfecho das eleições americanas uma batalha por valores que a esquerda perdeu - o que lhes serve de argumento para exclamar, cheios de "gozo", que os valores da "velha esquerda" estão mortos e, enquanto não forem revistos, só a conduzirão às derrotas, hoje nos Estados Unidos, amanhã na Europa. Têm razão na análise, mas a lição que pretendem extrair é simplesmente amoral. Houve, de facto, uma batalha por valores nestas eleições americanas, e os valores emergentes da nova direita derrotaram os valores da velha esquerda. Mas ainda bem que houve essa batalha, que a esquerda preferiu o risco da separação das águas do que a tentação de se adaptar aos ventos hoje dominantes. Ainda bem que houve essa clarificação, mesmo que ela tenha deixado a América profundamente dividida ao meio, em termos que preocupam até os próprios vencedores. Mil vezes perder uma eleição do que perder a razão.
Todavia, o mais curioso é que Bush arrisca-se a desiludir este exército de fiéis, lá e cá. Não que, de repente, ele passe a preocupar-se seriamente com os mais fracos, com o ambiente ou com os direitos humanos. Mas já não precisa de manter seduzida a sua base de apoio da extrema-direita religiosa e sabe que só passará à História se daqui a quatro anos conseguir reunir e juntar de novo parte daquilo que a sua eleição dividiu. Já mostrou o seu conservadorismo, chegou a hora de mostrar a sua "compaixão".
Mesmo na frente externa, não é provável que tudo continue como antes. A aventura do Iraque retirou aos Estados Unidos capacidade de intervenção noutros lados - mesmo que necessária para a sua segurança. E o embuste sobre os motivos da guerra retirou-lhe a credibilidade necessária junto dos aliados (quem quererá alinhar em nova expedição militar comandada e ordenada por George W. Bush?). Como escreveu Fareed Zakaria, o editorialista principal da "Newsweek", "o segundo mandato de Bush vai ser diferente, mas não pelas boas razões. Será um mandato menos agressivo, menos unilateral, menos militante e menos arrogante na política externa. Não por uma mudança de ideias, mas porque a isso se vê a América hoje constrangida e, em larga medida, devido às políticas de Bush. A ironia e a tragédia do segundo mandato de Bush poderá muito bem vir a ser o facto de mesmo o uso da força, quando necessária - para enfrentar as ameaças da Coreia do Norte ou do Irão, por exemplo -, vir a revelar George W. Bush como um tigre de papel. Ele ameaçará não tolerar a posse de armas atómicas pela Coreia do Norte e tolerá-las-á. Insistirá que não consente que o Irão se torne uma potência nuclear e consenti-lo-á".
Pois, eis no que dá o unilateralismo arrogante, a tentativa de exportação universal dos valores morais ou da lei do xerife americano. Um mundo onde a "potência indispensável", tendo gasto o seu fogo e as suas energias em guerras erradas, acabou autodesarmada perante as guerras justas. Um mundo definitivamente mais perigoso. Qual será o gozo que a direita vê nisto?"
TAVARES, Miguel de Sousa, "George W. Bush, Segunda Parte", Público, 12 de Novembro de 2004.

quarta-feira, novembro 17, 2004

"Eu quero que o país vá subindo no seu astral!" Estas palavras de Santana Lopes, proferidas do púlpito no discurso de encerramento do último congresso do PPD-PSD-PSL, são o que se chama um grito de alma. Não é "Cogito ergo sum", nem "I have a dream", mas cada nação produz o que produz. No nosso caso é mais bolos.
Não fique preocupado, se não souber ao certo o que é "o astral". Uma breve consulta ao "Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea" da Academia das Ciências de Lisboa explica que a expressão (para além de querer dizer "relativo aos astros" quando é usada como adjectivo, mas não é isso que interessa) vem da teosofia e do ocultismo e descreve o "plano intermediário entre o físico e o espiritual, povoado de almas e espíritos, só observado pelos videntes e hipnóticos" ou a "parte fluida do ser humano, intermediária entre o corpo físico e a alma". Claro que a expressão vem do Brasil, onde, ainda segundo o DLPC, quer dizer "disposição de espírito" ou "humor". De onde vem este significado? Você tá bobo, cara? De astro mesmo, né? Todo mundo sabe que humor e amor é coisa de astro, são eles que ficam colocando a gente nesse plano ou no outro e sobem ou baixam o astrau da gente. Não sabia mesmo? Santana sabe.
Outro primeiro-ministro poderia ter falado de brio, de projecto, de ânimo, de sonho, de ambição, de futuro, de trabalho, de empenhamento, de desafio, mas Santana sabe falar ao povo na sua própria língua e saiu o astral!
Mas não se pense que saiu por acaso. O astral presta-se mais à banha da cobra do que o projecto e até do que o sonho, porque o astral não depende nem do trabalho (lagarto, lagarto), nem do desejo, nem sequer de nós. Só depende dos astros, dos deuses, dos alinhamentos siderais, dessa coisa etérea que é a coisa nenhuma. Nem é preciso querer, astral é astral, acontece à gente sem a gente querer. Além de que o astral é sentimental ("Me liga!"), tem a ver com destino, com coisas escritas nos céus com pozinho de estrelas e não exige nenhum mas nenhum esforço. Astrau é assim mesmo! Como se faz para melhorar o astral? Incríveu! Você não sabe? Relaxe! Nada melhor para o astrau! Não sabe como? Beba uma caipirinha. Duas!
O astral é ainda melhor do que a Nossa Senhora de Fátima (Paulo Portas foi definitivamente ultrapassado), porque é mais moderno, não fere susceptibilidades e não acarreta nenhuma obrigação. A Nossa Senhora é uma mãe severa que persevera, mas o austral é uma boa. A Nossa Senhora estava bem para os tempos de austeridade, mas a austeridade já era. Agora é o astral.
Desvendado o astral percebemos melhor o novo símbolo do PSD-PPD-PSL: é um satélite a ser colocado em órbita, em direcção aos astros, uma espécie de guerra das estrelas, mas para criar alinhamentos de Mercúrio com Vénus, para fortalecer o astral. Será que José Sócrates já percebeu que a sua ideia das novas fronteiras acaba de lhe ser roubada mesmo debaixo do nariz?
Depois do astral já percebemos porque é que a palavra de ordem do primeiro dia do congresso era "verdade" e a do segundo dia "confiança". É que, quando se prega a verdade, o povo pode ficar com ideia de que tem direito a alguma coisa e até pode começar a fazer perguntas, mas com a confiança não há riscos. Confie! Não pergunte, não diga, não duvide! Suba o astral! Relaxe. Deixe tudo na mão do PSLPSDPP. Beba mais uma caipirinha. Me liga!"
MALHEIROS, José Vitor, "Alto Astral", Público, 16 de Novembro de 2004.

quarta-feira, novembro 10, 2004

A Sesta

O presidente da República diz, como disse há pouco tempo, que o país está à beira de uma crise sem precedentes? O dr. Santana Lopes disfarça: aplaude o discurso, deixa cair um sorriso e decide ser “positivo”. O país discute a saída de Marcelo Rebelo de Sousa da TVI e as pressões do governo sobre a comunicação social? O dr. Santana Lopes desvaloriza: enquanto ele for primeiro ministro, não há “ruído” que desvie o Governo das questões que “verdadeiramente interessam aos portugueses”. A oposição – acompanhada pela generalidade dos economistas – garante que o Orçamento é uma ficção e que os seus objectivos são impossíveis de cumprir? O dr. Santana Lopes não liga: com ele, as pensões sobem, os impostos descem, os salários aumentam e o défice mantém-se miraculosamente abaixo dos 3%. O Expresso refere, numa legenda, que o dr. Santana Lopes fez uma sesta antes de ir para a ModaLisboa? A legenda cai que nem uma bomba junto do primeiro-ministro. A sesta, transforma-se de imediato, num caso nacional com direito a desmentido e honras de comunicado. Evidentemente, o dr. Santana Lopes considera que a sua hipotética sesta é uma das tais questões que “verdadeiramente interessam aos portugueses”.
Assim sendo, e dada a gravidade do caso, o gabinete do primeiro-ministro decidiu emitir um comunicado a desmentir categoricamente a calúnia. Segundo a nota, divulgada através da agência Lusa, o primeiro-ministro não fez nenhuma sesta nesse dia: foi directamente da Assembleia da República e do debate mensal com a oposição para o desfile da ModaLisboa. Ana Costa Almeida, chefe de gabinete do dr. Santana Lopes, é testemunha desse percurso sem mácula: “Acompanhei o senhor primeiro-ministro na sua deslocação à assembleia da república, de onde saiu às 18h30 e não às 17h00 como foi dito e, depois disso, o dr. Santana Lopes não foi fazer qualquer sesta, como é afirmado.” Os portugueses podem, portanto, descansar: o dr. Santana Lopes não fez nenhuma sesta no dia em que foi à ModaLisboa. Como se pode ler no comunicado, a legenda do Expresso é uma calúnia, fruto de uma “linha editorial cada vez mais estranha”, que visa apenas denegrir a imagem do primeiro-ministro.
Dentro desta linha, no entanto, o comunicado podia ter sido um pouco mais explícito. Alertados para a falsa sesta do primeiro-ministro, os portugueses teriam todo o interesse em conhecer os verdadeiros contornos da história. Não chega saber que o primeiro-ministro saiu do parlamento às 18h30. É necessário ir mais longe! É importante perceber se o primeiro-ministro foi directamente do parlamento para a ModaLisboa. Se é verdade que fumou um cigarro a seguir ao debate. Se se confirma que mudou de sapatos. Depois disto, espera-se que o próximo comunicado do gabinete do primeiro-ministro revele, pelo menos, se o dr. Santana Lopes lanchou. O país agradece!

Sá, Constança Cunha e, “A sesta”, Sábado, nº25, 2004, p.62.

terça-feira, novembro 02, 2004

Espelho meu, espelho meu, será que o melhor primeiro-ministro sou eu?". Imagino que todas as manhãs Santana Lopes vai ao espelho e faz a pergunta. O espelho está cada vez mais turvo, e a resposta parece ser cada vez mais negativa. Digamos sem acinte que o nosso Primeiro-Ministro é hoje um homem acossado. Vê em cada sombra um potencial inimigo, um perigoso concorrente, o recorte impiedoso de um carrasco.
A resposta do espelho começa por ser amável mas céptica. Cavaco Silva ou Mário Soares ou Freitas do Amaral fazem parte dos que pertencem à ordem paterna: a gente olha para eles e vê no tom seguro, na consistência da voz, na firmeza do olhar, a figura do Pai. Já Guterres é sobretudo o bom Irmão. Não está acima de nós, não está abaixo, mas é um homem disponível, bem intencionado, activo e convincente. Quanto ao Governo, Álvaro Barreto ou Bagão Félix estão mais inclinados para serem pais, Morais Sarmento é o irmão "boxeur", há uns que ninguém sabe quem são. Gomes da Silva é quem é, e peço desculpa pela indelicadeza. Arnault é o filho de quem os pais se orgulham porque é o melhor aluno da escola. O pior é que Santana Lopes é também o filho, mas o filho um pouco boémio, que não estuda a lição, tendencialmente irrequieto, às vezes irresponsável. Isto é, e o espelho nestas coisas é impiedoso, Santana Lopes é tudo menos primeiro-ministro e secretário-geral de um grande partido. Daí que o efeito mágico que se esperava do orador brilhante, do polemista espectacular, se não verifique. Santana Lopes vestido de comunhão solene, a assinar o Tratado Europeu, é apenas uma figura teatral. Santana Lopes a pensar no futuro dos filhos, e de todos os filhos, enquanto a tinta preta estremece na brancura do papel, e a gente não acredita. Santana Lopes não coordena porque não foi feito para coordenar. É um insubordinador de almas. Quanto mais diz que coordena mais a gente sabe que ele sabe que nós sabemos que ele não coordena coisa nenhuma. O problema não é de conjuntura, é de estrutura.
Santana Lopes queixa-se que não lhe foi dada uma oportunidade, que nem uma semanita de "estado de graça" conseguiu obter. Mas será por acaso? Será por acaso que onde chega os conflitos se multiplicam, mesmo aqueles de que não tem culpa? Será por acaso que acaba sempre por largar o barco e vir-se embora a meio?
Segundo Freud, o neurótico realiza sempre aquilo que mais teme. Santana Lopes teme que o não tomem como primeiro-ministro e tanto faz por parecer que não chega a ser.
Daí os resultados das sondagens. Nunca o PSD bateu tanto no fundo da lata. O "leader" dá um vertiginoso trambolhão. Toda a gente percebeu, mesmo antes de o discutir, que o OE não tem credibilidade. A demagogia prolifera. O espelho virou caleidoscópio. O país baila e rodopia. Uns angustiam-se, outros enjoam. E o espelho repete dia após dia: não, tu não és primeiro-ministro.
COELHO, Eduardo Prado, "Espelho meu",Público, 1 de Novembro de 2004